A discussão do momento nos blogs cristãos reformados é sobre uma certa "antinomia" erigida por alguns duros defensores dessa "facção" teológica, a combater inimigos cristãos imaginários, os tais "moinhos de vento".
Fundamentalismo é coisa que faz tremer porque nos remete aos muçulmanos e à sua sharia. O fundamentalismo, entretanto, quando remetido à firme observância dos preceitos bíblicos e à ortodoxia, é salutar - pelo menos na visão cristã, pois é evidente que um budista, maoísta ou ateu não terão a mesma visão que eu tenho. Contudo, costumo temer qualquer posição radical e extremista, ainda que bíblica, já que nas mais das vezes desagua em um oceano de intolerância.
Radicalismo e intolerância são os dois ingredientes a temperar os textos teonomistas que tenho lido. Não que eu não concorde com a teonomia, naquilo que se coaduna com a Lei de Deus, com a sua vontade determinante expressa na Bíblia. A discordância capital se refere a um termo cunhado por certas pessoas, a um rótulo capaz de implodir a fé daqueles que não aceitam o tal rótulo (ou pelo menos é esta a tentativa).
Discordo, repito, com a "teonomia" a significar a plena observância da Lei Mosaica como regramento e código judicial para a atualidade. Acho a ideia simplista, o raciocínio falho e o julgamento (dos teonomistas) urdido contra os seus "detratores" , oblíquo e de uma obtusidade alarmante.
Basta observar que a denúncia contra aqueles que discordam dessa tal visão teonomista proveniente do rótulo, agora erigida a verdade absoluta e inconteste, é de que são (somos) antinomistas. Já essa "qualidade" avança ao ponto de considerar os opositores (nós) como refratários à Lei de Deus. O fato de ter um entendimento contrário àquele que se cunhou como verdadeiro é o bastante para que os seus defensores sejam peremptoriamente defenestrados do solo sagrado da teologia reformada. E mais, por último, os que resistem à tal teonomia por eles engendrada estão mesmo relegados à triste condição de incrédulos.
A acusação maior é que resistimos à ética cristã proveniente da Lei Moral e por isso abraçamos uma ideia libertária: nos negamos ao pleno Senhorio do Criador evidenciado pela "Lei Mosaica". Somos quase párias, ou um arremedo de cristãos. É a ideia que subjaz inclusive em textos de irmãos queridos que tenho lido nos últimos dias. Não há argumento capaz de convencer os assim denominados "teonomistas" no sentido de que não nos negamos ao padrão ético proveniente da Lei Moral que se extrai da Bíblia, antes "nos alegramos na Lei do Senhor". E eis que somos tachados pejorativamente de antinomistas, cujo sentido (menor) indica aquele grupo ou pessoa contrário à Lei de Deus.
Há algo errado nessa luta quixotesca: eu não sou nem incrédulo e tampouco resisto à Lei de Deus, mas defendo-a, luto por ela, remo contra a maré de um sistema podre que rege essa sociedade caótica e pobre de valores cristãos verdadeiros. Logo, não sou antinomista coisa nenhuma! Não aceito o rótulo e nego-me a considerar a afirmação como substancial ou propositiva, mas pura estultícia. Tal proceder faz os defensores xiitas da teonomia retrocederem à bruma da insensatez, que repousa sobre a mais densa ignorância.
Eu não desejo fugir ao cumprimento da Lei moral, dos preceitos éticos condensados na Bíblia, tampouco desejo ser escravizado pelos mesmos preceitos, tendo a ótica de que não serei julgado pela dureza da mesma lei. Paira em meu humilde entendimento a certeza de que as leis que temos a dirimir os conflitos deste mundo em cada nação ou Estado estão sob a égide de Deus e que os governantes igualmente estão, o que nos obriga a obedecê-los por ordem do próprio Cristo (ainda que essa lei não seja exatamente como a de Deus). Portanto, ao rejeitar essa tal teonomia eu não estou a rejeitar a Lei de Deus, que fique bem claro.
Ainda hoje li uma citação interessante, a qual desejo transcrever abaixo que, embora não tendo correlação direta com o assunto em tela, retrata algo sobre a obediência à norma (Lei):
"...Não há falta ou mal na mera ausência que consiste na atual consideração da norma, pois a alma não está obrigada, nem disto é capaz, constantemente, no ato, de levar a norma em consideração. O que é requerida da alma não é que deva sempre observar a norma ou ter a norma constante na mente, mas que deva 'produzir um ato' enquanto considera a norma. Ora, no momento metafísico que estamos analisando, aqui, ainda não existe um ato produzido; há meramente uma ausência de consideração da norma, e será apenas no ato que será produzido, em termos desta ausência, que o mal existirá. Reside, aí, um ponto de doutrina extremamente sutil, de importância capital. Antes do ato ato moral, antes do 'bonum debitum', o 'devido bem' que produz a qualidade do ato e cuja ausência é uma privação e um mal, há uma condição metafísica do ato moral, o qual, tomado em si mesmo, não é um bem devido, e a ausência dele, por conseguinte, não será privação nem mal, mas uma pura e simples negação (ausência de um bem que não é devido), e tal condição metafísica é uma livre condição." [1]
De tal maneira que não fazemos o bem por imposição da norma, mas porque a graça oriunda do Criador nos habilita a fazer o bem. Daí a considerar, como Tiago, que a fé deve ser acompanhada das obras, mas não pela força coercitiva da norma em si mesma (que é apenas uma abstração), mas pela habilitação que nos é titulada, por assim dizer, pela graça. E é nesse momento que os teonomistas nos acusam de confundir Lei, justificação e graça. A obliquidade do entendimento, a falta de capacidade analítica é que os leva a tal antítese, especificamente ao nos rotular de antinomistas em razão da sua "teonomia".
Por enquanto, fico por aqui. Há muito a dizer, mas os textos longos cansam, especialmente neste espaço.
[1] Maritain , Jacques, St. Thomas and the Problem of Evil (Milwaukee, 1942), pag. 06, extraído do livro "Pastor Reformado e o Pensamento Moderno", Van Til, Cornelius, 1ª edição, 2010, Ed. Cultura Cristã, pag. 97.
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