A multidão e os guias cegos
Na verdade eu assisti a uma pregação no domingo passado que me fez refletir, não por causa do inusitado, uma vez que o texto bíblico é bem conhecido, mas em razão do seu foco. Aliás, não seria justo e nem razoável dizer que a pregação teve um único foco, porém, neste texto eu me restringirei a um único viés: as multidões e as suas motivações. O texto em referência será o capítulo 3, versos 7 e seguintes do Livro de Marcos. Peço licença aos leitores para colacioná-los logo abaixo, com especificidade naqueles que têm direta aplicação ao presente post:
"Retirou-se Jesus com os seus discípulos para os lados do mar. Seguia-o da Galiléia uma grande multidão. Também da Judéia, de Jerusalém, da Iduméia, dalém do Jordão e dos arredores de Tiro e de Sidom uma grande multidão, sabendo quantas coisas Jesus fazia, veio ter com ele. Então, recomendou a seus discípulos que sempre lhe tivessem pronto um barquinho, por causa da multidão, a fim de não o comprimirem "(Marcos 3: 7-9).
....................................................................................................................................
"Depois subiu ao monte e chamou os que ele mesmo quis, e vieram para junto dele. Então, designou doze para estarem com ele e para enviar a pregar e a exercer a autoridade de expelir demônios" (Marcos 3:13-15)
.................................................................................................................
"Então, ele foi para casa. Não obstante, a multidão afluiu de novo, de tal modo que nem podiam comer" (Marcos 3:20).
Neste texto, conforme eu afirmei acima, interessam-me as multidões. Todavia, a priori, é necessário indagar: qual a motivação daquela multidão, fazendo um paralelo com os dias de hoje? O que buscam as multidões praticantes do evangelicalismo deste século?
Em um primeiro momento parece que aquelas multidões que seguiam Cristo por longos períodos e grandes distâncias O queriam como seu salvador. Ouviam as suas boas novas e eram inundados pela Revelação. Será? O contexto bíblico que consta desse capítulo 3 de Marcos nos avisa que aquela multidão afluía precipuamente em busca de cura, libertação, curiosidade, etc.
E eu afirmo: ontem como hoje as multidões buscam os benefícios que Cristo traz, mas fogem da cruz, ou estão cegos para percebê-la. Assim como no primeiro século, quando as multidões afluiam para Cristo em busca de "algo", as multidões de agora erigem os seus objetos de adoração, os seus "portos seguros". Muitas vezes são coisas, outras vezes são homens. Quase sempre os evangélicos de agora inserem nesse caldeirão o misticismo sincrético, a superstição , a mistura: um pouquinho de verdade com muita mentira.
Esse texto sempre me levara a indagar: porque Cristo precisava do barquinho? Eis que o pregador, na sua interpretação, imaginou uma resposta que me satisfez: ele fazia os milagres a tantos quantos queria e se ausentava deliberadamente. Aquela multidão, em sua grande maioria, estava em busca apenas das benesses do Cristo, e ele os conhecia, pois sondava-lhes os corações. Era a mesma multidão que tempos depois gritava: crucifica-o, crucifica-o!
Ontem como hoje as multidões se igualam... Hoje as multidões erigem seus "cristos", seus ídolos: Valdemiro, R R Soares, Edir Macedo, Marco Feliciano, Silas Malafaia, Benny Hinn, Morris Cerulo, Mike Murdock, etc. Os (falsos) profetas invadem as igrejas e a mídia com as suas previsões mirabolantes, enquanto os incautos e oportunistas tornam-se súditos. São variados os interesses tanto dos súditos como dos (falsos) profetas: dinheiro, poder, prevalência sobre um grupo, ascensão social, política. Enquanto isso o verdadeiro Cristo lhes serve de muleta para a consecução dos seus interesses espúrios.
Então o pregador se perguntava e faço eu a mesma pergunta: por que crescem as igrejas e seitas invadidas pelos falsos profetas? Por quê Senhor? Por que crescem tanto, enquanto as igrejas que se mantém fiéis à sã doutrina "patinam" com um pequeno número de membros? A resposta é bíblica: "larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e são muitos que entram por ela "(Mateus 7:13). Foi essa a mesma resposta que dei recentemente a um pastor (guia cego), estando o mesmo inebriado (enfeitiçado?) pelo crescimento da igreja a qualquer custo.
Sim, Cristo faz milagres inclusive nesses lugares, onde a heresia abunda. Pela sua misericórdia ele alcança alguns. Dizia então o pregador: "logo depois ele sai, e então ficam os líderes e os demônios..." É o que acontece com as igrejas que sucumbem a esse crescimento vertiginoso; ao crescimento que relativiza a Palavra inerrante e infalível; ao crescimento baseado no emocionalismo, nas curas, nos "sinais e prodígios". Os guias cegos sucumbem ao chamado da carne, quando não ao grito dos próprios demônios que os enganam disfarçados de "anjos de luz".
As mesmas multidões que ontem mataram Cristo, ainda hoje continuam a crucificá-LO diuturnamente... Ontem buscavam curas através do próprio Cristo, sem porém se comprometer com o Seu Evangelho. Hoje ainda buscam o mesmo, através de "novas revelações", profecias humanas, adivinhações...
Havia as multidões que afluiam a Cristo e havia o pequeno grupo de doze, que estava com Cristo. Ainda hoje é o mesmo: as multidões que afluem aos seus "cristos - profetas"; e pequenos grupos renitentes, que se mantém com Cristo, mesmo à custa de serem perseguidos, criticados e até mesmo vilipendiados.
"São cegos, guia de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, cairão ambos no barranco" (Mateus 15:14).
Tenho a impressão que esses guias de cegos, espécie de adoradores de criaturas, místicos, emocionais; chegados ao êxtase, mas muito pouco afeitos à Palavra são os mesmos que, "vendo não vêem; e, ouvindo, não ouvem, nem entendem "(Mateus 13:13), "para que não venham a converter-se, e haja perdão para eles" (Marcos 4:12).
É triste ter de concluir que as multidões continuarão nesse mesmo círculo vicioso, afluindo em busca de "algo", atrás de um "deus qualquer", erigindo os seus "cristos-falsos profetas-adivinhadores- mentirosos. E entrarão pela larga porta, travestidos de crentes espirituais, ungidos, intocáveis na sua fleuma; soberbos, mas sutilmente disfarçados de piedosos...
Espero que, tal como o ladrão na cruz, possam eles se arrepender, convertendo-se ao verdadeiro Evangelho de Cristo, nascendo de novo, mas sem a necessidade de voltar ao ventre...
(Em homenagem a um belo sermão)
Continue lendo >>