quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Sobre teonomia, Lei e Graça (II)




Consoante o que foi afirmado no último texto, é mesmo espinhoso dialogar com os “teonomistas”, a uma, porque eles não conseguem trocar idéias, uma vez que as suas peremptórias intervenções se pautam pela unilateralidade, e, a duas, por se sentirem investidos de algo como uma “delegação divina” , especificamente no sentido de trazerem de volta a “Lei mosaica” com a sua aplicação literal às relações humanas atuais. A ideologia hermética, o “purismo” me remetem a outro tipo de fanatismo, como aquele que levou a sociedade alemã a apoiar o homenzinho do bigode ridículo, ou, no sentido religioso, os muçulmanos adeptos do Islã. O fato é que sempre há um motivo, por mais estapafúrdio que seja, a direcionar pessoas a cometerem danosos atos em nome da “fé” – ou daquilo que acreditam ser a vontade de Deus.

Não dou à teonomia o sentido de heresia que os seus defensores querem me impor, ou impor a todos aqueles que pensam diversamente deles. Sou teonomista no sentido de reconhecer o governo de Deus sobre a humanidade, acima de toda a criação, exatamente pela sua condição de transcendência. O Criador certamente governa, sustenta e mantém o universo, criado por Ele unicamente através da sua vontade e do seu comando (haja luz...).

Quero crer que a “Lei de Deus” vai muito além da lei mosaica. Enxergo essa “Lei” nas relações humanas travadas entre santos e ímpios, em toda a providência sabiamente usada pelo Santíssimo em direção à plena e cabal execução do seu decreto eterno. Essa “Lei”, a meu ver, está contida nas mais ínfimas e “insignificantes” ações humanas até às mais sublimes; desde os grandes feitos registrados por brilhantes personalidades da História universal até a primeira palavra pronunciada por uma criança em tenra idade. O império de Deus está sobre este mundo como um amálgama, vinculando pessoas, coisas, eventos, catástrofes, enfermidades, dores, alegrias, vitórias, derrotas, justiça, injustiça, etc.

A pequena semente quase microscópica na sua admirável transformação a germinar e a tornar-se árvore, a flor a desabrochar, o ritmado flanar das asas do pássaro em voo, a suave brisa refrescante que sopra sem “motivo”, as ondas do mar em seu eterno movimento de ir e vir, tudo remete à “Lei de Deus”. Aos “teonomistas”, essa minha digressão parecerá despropositada, bem sei.

A capacidade do homem em se organizar política e socialmente, bem como a autocensura que se impõe por intermédio da criação de leis capazes de lhe arrefecer a maldade e garantir-lhe direitos, obrigações e restrições à sua liberdade são a prova cabal de que o Altíssimo influencia toda a sua criação, impondo a sua “Lei”, ainda que não o faça “diretamente” pela via da aplicação da lei mosaica, como querem os “teonomistas”. Dou, pois, à teonomia, um sentido muito mais amplo.

Imagino que as leis que criamos por intermédio dos nossos representantes nas Câmaras, Assembléias, governos - democráticos ou não - são uma extensão da “Lei de Deus”, providencialmente usadas por Ele em prol dos seus desígnios secretos e eternos. Não concordo que a “lei mosaica” seja a única expressão da Lei de Deus, ou que tenha permanecido imutável, estagnada, tal como ditada a Moisés no deserto. Certamente que há mesmo uma progressividade da revelação.

Para a consecução da graça comum, quero crer, Deus usa pessoas, coisas e ações; usa as leis dos homens, influenciando nas suas vontades, dirigindo-lhes os “passos” a fim de garantir o resultado eternamente decretado. Nesse diapasão, afiançar a exclusividade da lei mosaica, ou lutar para a sua aplicação única, é querer impor a Deus, por via transversa, a vontade do próprio homem. É semelhante a restringir a ação de Deus ao próprio “achismo” dos defensores ferrenhos da teonomia.

Com temor e tremor eu jamais me arriscaria a afirmar a exclusividade da lei mosaica. E, mais do que isso, crendo na progressividade da revelação, no dinamismo que o próprio Deus infundiu ao homem e à sua criação não posso aceitar o regramento literal da lei mosaica para a atualidade, pois não creio em um Deus anacrônico. Creio, ao contrário, no Deus que move a sua criação ordenadamente, com criterioso cuidado, infundindo-lhe conhecimento e vontade para melhorar e adequar o regramento inicial, ainda que resguardando o modelo, o princípio moral e ético.

Afora a graça comum, Deus toca alguns, regenerando-os, transformando-os, fazendo com que “nasçam de novo”. E são estes que terão a incumbência de “salgar a terra” através da Luz de Cristo. Creio na influência dos regenerados a testemunhar Cristo muito mais do que a imposição da lei mosaica por si só. A influência benéfica desse “remanescente fiel que não dobrou os joelhos a baal” é que fará a diferença e não as pedras dos apedrejadores. Ademais, temos leis e temos Deus no comando das mentes daqueles que pensam o processo legislativo. Vale dizer que Deus tem vontades imediata e mediata, sem que a providência possa mudar o seu decreto eterno.

Enfim, sem entrar no mérito de graça e lei e reconhecendo que os “teonomistas” dão mesmo um significado diferente a ambos, ainda assim fico com a graça, exclusivamente para ser sal da terra, pregando o Evangelho de Cristo e influenciando a muitos, e, com isso, reafirmando os valores cristãos a toda criatura.

Aos que querem impor a Lei mosaica, felicidades.

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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Sobre teonomia, lei e graça


Vejo com certo temor algumas pessoas no meio reformado escrevendo sobre teonomia, fazendo-o com grande empenho e certa agressividade, não raras vezes. A minha posição, embora silenciosa, tem sido diametralmente contrária à ideia da teonomia tal como os seus defensores têm pregado por aí. Falo não somente dos blogueiros, como também de alguns autores renomados. Não os li e nem pretendo lê-los. Sei o que é teonomia e do que se trata, suficientemente para ser contrário aos seus argumentos. Aliás, confesso, os tais argumentos me cansam.

Afirmei em epígrafe o meu silêncio nada recalcitrante, uma vez que a minha posição é clara e conhecida. O silêncio até o momento se deu em razão de um certo cansaço das longas discussões e de extensos arrazoados recheados de pouca ou nenhuma substância capaz de "destronar" essa minha convicção contrária.

São muitos os textos bíblicos que me convencem a cada vez mais distanciar-me da ideia a respeito de uma teonomia que defende a retomada da lei mosaica, ou simplesmente da "Lei", para ser aplicada à sociedade como um todo. A mim, cheira como puríssimo e "refinado" legalismo.

Se a lei é "boa" - e é , pelo menos sob o ponto de vista ético e moral - daí a instituí-la como força coercitiva estatal demanda hermenêutica completamente torta e tortuosa. Logo, teimo em contradizer os defensores da tal teonomia acusando-os de superficiais em sua "interpretação" (sei que estou correndo enorme risco ao fazer tal afirmação).

Concordo com os teonomistas até um certo limite: a Lei foi mesmo instituída por Deus e é boa, exatamente ao convencer-nos do juízo e do pecado. Parafraseando Paulo em Romanos 2, não fosse a Lei, o pecado nem mesmo existiria, uma vez que não haveria preceitos a evidenciá-lo:
Porque todos os que sem lei pecaram, sem lei também perecerão; e todos os que sob a lei pecaram, pela lei serão julgados (Romanos 2:12).

Com efeito, é exatamente neste ponto que reside a incongruência do raciocínio dos teonomistas, uma vez que a Lei é o instrumento único e insubstituível para evidenciar o pecado e tornar culpáveis os que serão julgados sob a sua pesada égide. Quanto a nós, justos, o somos não por cumprirmos à risca a Lei, o que nos é completamente impossível, mas porque, à parte dos nossos tantos pecados e iniquidades, fomos justificados pela obra redentora de Cristo na cruz do calvário. Logo, a Lei não mais nos escravizará, conforme está escrito:

Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela usa legitimamente; sabendo isto, que a lei não é feita para o justo, mas para os injustos e obstinados, para os ímpios e pecadores, para os profanos e irreligiosos, para os parricidas e matricidas, para os homicidas, para os devassos, para os sodomitas, para os roubadores de homens, para os mentirosos, para os perjuros, e para o que for contrário à sã doutrina (1 Timóteo 1:8-10).

A raciocinar com os teonomistas, a Lei, então trazida para a esfera estatal institucionalmente, forçará justos e justificados, ímpios e crentes, eleitos e réprobos. Novamente será estabelecida a velha aliança e voltaremos aos rituais e aos holocaustos; verteremos sangue de bois e ovelhas nos novos altares sacrificiais. Enfim, ainda que os argumentos dos teonomistas sejam aparentemente alicerçados na Palavra, o legalismo por eles defendido fará submergir a graça.

A pergunta que teima em aflorar é: por que a sanha em restabelecer a Lei quando se tem a graça? Ora, se o maior bem que o cristão possui é a salvação, trazida pela graça, qual a necessidade da Lei? Os teonomistas responderiam que a Lei traria "equilíbrio" à sociedade, que seria " a Lei de Deus" aplicada ao homem, etc, etc. Tantos outros argumentos surgiriam e se materializariam, e ainda assim eu os refutaria dizendo que a "Lei", mesmo sendo boa e justa, não se aplica a justificados através do sangue de Cristo vertido na cruz do calvário.

Entretanto, se a lei não tem o condão de justificar quem quer que seja, mais ainda aqui, no âmbito dos justos, dos filhos adotivos em Cristo Jesus, dos eleitos, por que querê-la? Com essa assertiva, veremos o que mais nos diz o Apóstolo Paulo, verbis:

“Nós, judeus de nascimento e não ‘gentios pecadores’, sabemos que ninguém é justificado pela prática da Lei, mas mediante a fé em Jesus Cristo. Assim, nós também cremos em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pela prática da Lei, porque pela prática da Lei ninguém será justificado. “Se, porém, procurando ser justificados em Cristo descobrimos que nós mesmos somos pecadores, será Cristo então ministro do pecado? De modo algum! Se reconstruo o que destruí, provo que sou transgressor. Pois, por meio da Lei eu morri para a Lei, a fim de viver para Deus. Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim. Não anulo a graça de Deus; pois, se a justiça vem pela Lei, Cristo morreu inutilmente!” (Gálatas 2:15-21).

Volto a perguntar, se, pela prática da Lei, não somos e jamais seremos justificados, pois o somos exclusivamente por meio da graça, mediante a fé em Cristo Jesus (Efésios 2:8-10), por que a defesa 'encarniçada' da Lei, se não por um sentimento de "santa" vingança, ou, quem sabe, para que os teonomistas sejam os "detentores" da ira divina ao terem para si delegada a "vontade de Deus?"

Fico pensando cá com os meus botões que se a ordenança divina é para que "ajuntemos tesouros no céu, onde a traça nem a ferrugem corrói, e onde os ladrões não escavam nem roubam" (Mateus 6:20), por que lutar tanto para a imposição da Lei sobre este mundo caído e miseravelmente corrupto, a ser exercida por seres igualmente miseráveis, senão por um desejo carnal e indefensável de poder? Sim, a mim se apresenta como a mais inconteste demonstração de carnalidade, pois, uma vez possuindo a graça salvadora, qual a necessidade de se buscar a imposição da Lei? Quando se tem o "principal", por que querer também o acessório, quando para tê-lo é mister que se renuncie ao principal?

A mim, parece impossível vislumbrar qualquer glória a Deus na imposição da Lei, ainda que com o intuito de equilibrar as relações humanas. E, sendo assim, se o ato humano não glorifica a Deus, sob a ótica cristã, que seja maldito (1 Coríntios 10:31).

Novamente parafraseando Paulo eu lhes perguntaria:

Ó insensatos 'teonomistas'! quem vos fascinou para não obedecerdes à verdade, a vós, perante os olhos de quem Jesus Cristo foi evidenciado, crucificado, entre vós? Só quisera saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? Sois vós tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, acabeis agora pela carne? Será em vão que tenhais padecido tanto? Se é que isso também foi em vão. Aquele, pois, que vos dá o Espírito, e que opera maravilhas entre vós, fá-lo pelas obras da lei, ou pela pregação da fé? (Gálatas 3:1-5).

Espero que os defensores da tão propalada teonomia estejam prontos à plena obediência da Lei, pois está escrito:

Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las" (Gálatas 3:10).

Finalmente, quero repetir que a Lei é boa, muito boa, por isso quero tê-la escrita em meu coração, testificando juntamente a minha consciência, e os meus pensamentos, quer me acusando quer me defendendo (Conforme Romanos 2:15).

E que Deus faça superabundar em nós a sua graça, para honra e glória dEle mesmo!

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sábado, 5 de fevereiro de 2011

Um diálogo - Sr. White, Sr. Black, Sr. Grey



*Cornelius van Til

Temos, primeiro, o não cristão, que cultua a criatura em vez do Criador. Vamos chamá-lo de Sr. Black. Poderá ser um tipo de pessoa bem "decente". Em função da graça comum ele pode fazer muita coisa "boa". Ainda assim, conquanto permaneça em seu estado de não-conversão, ele será tenebroso aos olhos de Deus.

Entretanto, temos um representante daqueles que, pela graça de Deus, tornaram-se adoradores do Criador-Redentor. Será o Sr. White. Certamente, ele está distante de ser aquilo que poderíamos esperar devido ao seu nome. Mas ele foi lavado no sangue do Cordeiro. Em Cristo, ele é alvo como a neve. O Sr. White é um cristão reformado.

Estranhamente, porém, há uma terceira parte, um arminiano, chamado Sr. Grey. Certamente, em Cristo, o Sr. Grey é tão alvo como o Sr. White. O primeiro, acha que o Sr. White é muito severo na avaliação do Sr. Black, mas ele próprio crê que o Sr. Black não seja assim tão tenebroso.

Sequer seria correto, política ou pedagogicamente, requerer que o Sr. Black fizesse uma virada de mente tão completa. Certamente, nem será necessário que tal revolução seja completa nos campos das ciências e filosofias. Muitos dos seguidores do Sr. Black têm defendido valentemente a existência de Deus contra o materialismo, o ateísmo e o positivismo. Até mesmo em teologia, muitos desses discípulos do Sr. Black saltaram em defesa quando Deus foi atacado pelos teólogos do Deus-está-morto. O Sr. Grey, portanto, tipifica o metódo de Aquino-Butler de defesa do cristianismo.

Vamos observar agora a diferença na maneira do Sr. White e do Sr. Grey abordarem o incrédulo Sr. Black com o Evangelho de Cristo.

Digamos que o Sr. Black esteja com dor de dente. Ambos, o Sr. White e o Sr. Grey são dentistas. O Sr. White crê em uma metodologia radical. Ele crê que o Sr. Black deveria ter toda cárie removida dos dentes, antes de obturá-los. O Sr. Grey é uma pessoa mais sensível e carinhosa. Ele não quer que o Sr. Black se sinta mal e, por isso, não quer que a broca penetre tão fundo no dente. Ele, certamente, retirará apenas uma parte da matéria deteriorada, e preencherá a cavidade.

Naturalmente, o Sr. Black achará tudo isso maravilhoso. Infelizmente, o dente do Sr. Black em breve continuará a deterioração. Ele retornará ao Sr. Grey, mas este jamais chegará a um procedimento radical. Por conseguinte, ele jamais resolverá o problema do dente do Sr. Black.

Suponha, agora, que, em vez de procurar o Sr. Grey, o Sr. Black tenha ido ao consultório do Sr. White. Este é radical, muito radical. Usa máquina de raios-X para diagnosticar as condições da boca do Sr. Black. Perfura o dente o quanto é necessário para remover toda a matéria deteriorada. A cavidade é preenchida. E o Sr. Black jamais precisa retornar por causa daqueles dentes.

Esta simples ilustração aponta para uma verdade básica. A Bíblia diz que o homem está espiritualmente morto em seus delitos e pecados. Os credos reformados falam de uma depravação total do homem. A única cura para a sua morte espiritual é a regeneração realizada pelo Espírito Santo, na base da morte expiatória de Cristo. É por meio da luz que a Escritura lança sobre a condição do homem natural que o Sr. White examina todos os seus pacientes. Ele poderá também ligar a luz da experiência, mas insistirá sempre que a experiência deva ser derivada, primariamente, da luz da Escritura. Assim, ele poderá apelar à razão ou à História, mas, de novo, somente da maneira que elas são vistas à luz da Bíblia. Ele nem mesmo toma a experiência, a razão ou a História para corroborar os ensinos da Escritura, mas a Bíblia para examinar todas essas operações. Para ele, a Bíblia e, portanto, o Deus da Bíblia, é como o sol do qual derivam a luz das lâmpadas de óleo, de gás e a lâmpada elétrica.

A atitude do arminiano, Sr. Grey, é bem diferente. Ele usa a Bíblia, a experiência, a razão ou a lógica como fontes de informação igualmente independentes sobre os próprios predicamentos e, portanto, os do Sr. Black. Isto não quer dizer que, para o Sr. Grey, a Bíblia, a experiência e a razão sejam igualmente importantes. Na verdade, não são. Ele sabe que a Bíblia é, de longe, a mais importante. Porém, não obstante, ele constantemente apela aos "fatos da experiência" e à "lógica" sem lidar primeiro com a própria ideia de fato e com a ideia de lógica, nos termos da Escritura.

A diferença é básica. Quando o Sr. White diagnostica o caso do Sr. Black, ele toma como máquina de raios-X, somente a Bíblia. Quando diagnostica o caso do Sr. Black, o Sr. Grey toma primeiro a máquina de raios-X da experiência, depois, a máquina de raios-X da lógica, e finalmente, a máquina de raios-X maior, a Bíblia. De fato, ele poderá tomar tais ítens em qualquer ordem, mas sempre haverá de considerá-los como sendo fontes de informação independentes.
(...)
Entretanto, quando o cristão reformado, o Sr. White, tem consciência das riquezas da própria posição, e, realmente, tem a coragem de desafiar o Sr. Black, apresentando-lhe uma chapa de raios-X do seu interior tirada com uma máquina chamada Bíblia, ele enfrenta a acusação de "raciocínio circular". Ele não apresenta nenhum "ponto de contato" com a experiência. Ele será, também, objeto de crítica do arminiano, por falar como se o cristianismo fosse irracional e por falhar em alcançar o homem das ruas.
(...)
O conceito arminiano de expiação substitutiva é colorido, e nós, como calvinistas, creríamos "descolorido", segundo a visão do "livre arbítrio". Segundo a visão arminiana, o homem tem poder absoluto ou final para aceitar ou rejeitar a salvação que lhe é oferecida. Isso implica que a salvação oferecida ao homem é mera possibilidade de salvação.

Para ilustrar: suponha que eu deposite um milhão de reais em sua conta bancária. Ainda assim, fica ao seu critério crer que tal riqueza lhe pertença, e usá-la para cobrir o chão de sua casa com tapetes persas, em vez de fazê-lo com os velhos tapetes puídos que você tem agora. Assim, no esquema arminiano, a própria possibilidade das coisas não mais dependem exclusivamente de Deus, mas, em algumas áreas, dependem do homem. O efeito daquilo que Cristo fez por nós é feito dependente de nós. Não é mais certo dizer que, para Deus, todas as coisas são possíveis.

Fica óbvio, portanto, que os arminianos levaram para o seu protestantismo uma boa porção do levedo do catolicismo romano. O arminianismo é menos radical e menos consistente em seu protestantismo do que deveria ser.

Ora, o Sr. Grey, o evangélico, parece estar confortável quando tenta conquistar o Sr. Black, o incrédulo, à aceitação do "sacrifício substitutivo". Ele pode firmar os pés em "chão comum" com o Sr. Black em termos daquilo que é possível ou impossível. Observe o Sr. Grey enquanto fala com o Sr. Black.

"Sr. Black, porventura já aceitou Jesus Cristo como seu salvador pessoal? Crê que ele morreu na cruz em seu lugar? Se não, certamente estará perdido para sempre."

"Bem", responde o Sr. Black, "acabei de receber uma visita do Sr White, falando sobre o mesmo assunto. Vocês parecem ter um 'testemunho comum' sobre a matéria. Ambos creem que Deus existe, que ele criou o mundo, que o primeiro homem, Adão, pecou, e que todos nós merecemos o inferno por causa do que esse homem fez, e daí em diante. Tudo isso me parece muito fatalista. Se, como você diz, eu sou uma criatura, então, não terei nenhum poder final para escolher. Não sou livre. E se não sou livre, então, não sou também responsável. Assim, se eu for para o inferno, será simplesmente porque seu 'Deus' assim determinou. Vocês, cristãos ortodoxos, matam a moralidade e todo progresso humano. Não quero ter nada com isso. Até logo!"

"Ei! Espere um pouco", diz o Sr. Grey afobado. "Eu não tenho um ponto de vista em comum com o ponto de vista calvinista. Nós dois, sim, temos um testemunho comum contra o calvinismo quanto ao determinismo mencionado. É claro que você é livre. Absolutamente livre para aceitar ou rejeitar a expiação que lhe é oferecida. Você mesmo terá de torná-la real para a sua vida. Concordo com você, contra o calvinismo, dizendo que a 'possibilidade' é maior do que a vontade de Deus. Nem por um momento eu diria com os calvinistas que o conselho de Deus determina tudo o que se passa."

*Extraído da obra "O Pastor Reformado e o Pensamento Moderno" , 1ª edição, 2010, traduzido por Wadislau Gomes, São Paulo, Cultura Cristã, p. 42-50)

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