O conhecimento de Deus e outras considerações
Há alguns dias travamos uma instigante discussão em um blog amigo comentando sobre "Quem é Deus", cuja conversa desaguou na questão da unidade do conhecimento pelo homem natural. A grande questão colocada em análise era se a 'unidade do conhecimento é da dada pelo objeto do conhecimento, ou por Deus? Chegou-se à conclusão que "não existe conhecimento verdadeiro à margem da revelação, pela razão autônoma , porque quem unifica esse conhecimento é Deus" . A apreensão do Divino se dá não exatamente pelo objeto apreendido (pelas coisas criadas, conforme Romanos 1), porém, "para saber que há um Deus basta o homem ter corpo [senso natural (sentidos)] e alma" [intelecção], repetindo, 'ipsis literis', as palavras do brilhante Jonas Madureira (que nos deu uma senhora aula sobre filosofia no âmbito daquela discussão).
Toda essa busca se deu à sombra da teologia reformada, considerando, pois, a análise feita por cristãos. Todavia, fiquei pensando aqui com meus botões como seria a mesma análise feita por não cristãos, ateus, existencialistas ou agnósticos. Confesso que essa possibilidade acendeu uma centelha de curiosidade em minha mente, que se transformou em verdadeira 'fogueira'.
Recordo-me que naquela oportunidade levantei a seguinte indagação: se eliminássemos Deus então não seria possível a unidade do conhecimento? Se não for possível, então o que restaria, à margem de Deus? Eu quero entender isso para saber o que justifica o conhecimento dos céticos/ateus. Não fui inteiramente compreendido, pois o que queria apreender era, naquele momento, como se daria esse raciocínio por não crentes; qual é o esquema lógico desse raciocínio, ou melhor, como é concebido o silogismo. Da minha parte, eu estava plenamente convencido que a unidade do conhecimento é dado por Deus , não existindo conhecimento verdadeiro pela razão autônoma (no máximo um conhecimento parcial, se bem compreendi).
Essa indagação continuou retumbando em minha mente, até que me deparei com a resposta, observando o pensamento de alguns expoentes da filosofia, dentre eles Sartre, que assim se manifestou guiado pelo seu existencialismo:
"Estou começando a acreditar que nada pode ser comprovado. Essas são hipóteses razoáveis, que tomam os fatos em conta: mas estou plenamente cônscio de que procedem de mim, que são meramente um modo de unificar o meu próprio conhecimento. A inquirição pela verdade, por conseguinte, é ainda mais fundamental que a inquirição pela existência de Deus". [1]
Essa era a resposta que eu buscava! O homem natural crendo que pode, por si mesmo, unificar o conhecimento à margem de Deus. Faltava essa argumentação 'do outro' para que eu verificasse o seu fundamento (ou falta de). Portanto, pelo que pude compreender, o agnosticismo quanto à existência de Deus está intimamente vinculado ao agnosticismo acerca da verdade em geral", sendo esta última mais importante.
A partir dessa autossuficiência Sartre desenha a sua "crença", erigida sobre si mesmo:
"O existencialismo ateu, do qual sou representante, declara que, se Deus não existe, pelo menos existe um ser cuja existência ocorre antes de sua essência, um ser que já existe antes de poder ser definido por qualquer conceito acerca do mesmo. Esse ser é o homem, ou então, conforme o dizer de Heidegger, a realidade humana. O que queremos dizer que a existência antecede a essência? Queremos dizer que o homem, antes de tudo, existe, encontra-se consigo mesmo, surge no mundo - e só depois define-se a si mesmo. Se o homem, conforme os existencialistas o vêem, não pode ser definido, é porque, para começar, ele nada é... o homem nada é senão aquilo que ele faz de si mesmo. Esse é o princípio mais importante do existencialismo.
O primeiro efeito do existencialismo é que põe cada indivíduo na posse de si mesmo, tal como ele é, situando a inteira responsabilidade pela sua existência totalmente sobre os seus próprios mbros. E, quando afirmamos que o homem é responsável por si mesmo, não queremos dar a entender que ele seja responsável pela sua própria individualidade, mas que ele é responsável por todos os homens". [2]
Eis que então retornamos à discussão inicial sobre quem é Deus, bem como o contraponto à Sartre, anulando a sua não-existência e afirmando a sua existência, sob a ótica de Albert Camus, cujo pensamento vem bem a calhar:
"A certeza da existência de um Deus que dê significado à existência tem muito maior atrativo do que o conhecimento de que, sem Ele, alguém poderia praticar o mal sem ser punido. A escolha entre essas alternativas não seria difícil. Entretanto, não há tal escolha, e é aí que começa a amargura...
Diante desse mal, diante da morte, o homem clama por justiça, desde as maiores profundezas de sua alma. [3]
Conclusão: prefiro continuar crendo firmemente que há um Deus que dá sifgnificado à minha existência, e que de fato unifica o conhecimento, tornando possível, através da Sua revelação, que eu O encontre, não por minha própria capacidade, mas por Ele mesmo, mediante o Seu chamado.
Fonte: CHAPMAN, Colin, "Cristianismo: A Melhor Resposta", Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, SP, tradução João Bentes. [1] p. 36; [2] p. 115/116; [3] p. 75.
9 comentários:
Caro Ricardo,
realmente, a mente caída e corrompida do homem só pode arquitetar uma forma de cavar ainda mais fundo o buraco em que se encontra.
Por isso, a única maneira do homem sair dele não é através do conhecimento pura e simplesmente, pois esse conhecimento aparte da regeneração será inútil para revelar-lhe Deus. Sem o novo-nascimento, nada feito. O homem permanece como uma toupeira, tola e cegamente escavando a terra mais para o fundo.
Vejo que o irmão apreendeu muito mais do que eu na conversa no blog do Roberto. Na verdade, ela serviu para me revelar a minha completa ignorância em relação a assuntos filosóficos, especialmente, epistemológicos.
Mas é interessante que à margem desse conhecimento e mesmo desse estudo, Deus é misericordioso para Se revelar a nós pela Escritura. Este é o diferencial entre os eleitos e os não-eleitos. Enquanto temos a certeza de quem é o Todo-Poderoso, eles se perdem em seus devaneios e elucubrações, aprofundando-se nas trevas e cada vez mais longe da luz.
A conversa por lá foi realmente muito boa, e o Jonas, o Roberto, o André e Você mantiveram um diálogo esclarecedor e edificante. Especialmente por terem a mente regenerada, renovada pelo poder do Espírito Santo, e com os pressupostos corretos a partir da revelação proposicional de Deus.
Acabei por ter a curiosidade aguçada e pedi algumas indicações ao Jonas. Quem sabe, daqui há algum tempo, não possa me unir a vocês? (rsrs)...
Parabéns pelo texto.
Cristo o abençoe imensamente!
Um forte e grande abraço ao irmão!
Ricardo,
esqueci de dizer que, como um existencialista por muitos e muitos anos, cunhei a seguinte "máxima": o existencialista é homem que crê, piamente, na possibilidade de se encontrar alívio prolongando a dor.
Por isso, a morte acaba sendo sempre a solução final para o existencialista, pois ele apenas consegue conceber o princípio de tudo no fim que supõe a morte dar.
Mas graças a Deus que, em nós, "a morte já não exerce mais o seu domínio, pois passamos da morte para vida, pela vida que Cristo nos deu na Sua morte".
Abraços.
Jorge, caro irmão,
Eu era o bobinho no meio daquelas feras, rapaz! Vou te contar uma coisa, o Jonas e o Roberto (e depois o André) deram uma aula de conhecimento, especialmente no campo da filosofia. Eu realmente sou neófito na área; tendo apenas estudado um pouquinho de filosofia direcionada especificamente ao Direito. Porém, confesso que foi mesmo instigante - e me levou a dar uma pesquisada.
Então você já foi existencialista? É, eu penso que o grande desespero para eles é mesmo a morte, pois, na sua ignorância, não conseguem conceber o porvir. Para nós, a solução final é o início de tudo, enquanto que para eles é apenas a cessação da vida, rumo ao nada.
Grande abraço meu irmão. Aproveito para reafirmar que gostei muitíssimo do seu último texto lá no blog (Kálamos).
Em Cristo, a nossa esperança final!
Ricardo
Jorge,
Desculpa aí, não é a Sarah (minha filha), sou eu mesmo.
Ricardo
Olá queridos,
O texto está muito bom. A discussão no blog do Roberto, que acompanhei de longe, também edificou-me bastante.
Gosto muito do conceito de realismo do Francis Schaeffer. Ele entendo que o conhecimento de Deus, da realidade e de nós mesmos, é possível pois Deus falou. E Deus falou não apenas "verdade religiosas" mas verdades acerca de si mesmo, do mundo e do homem.
Que possamos crescer juntos no conhecimento e na graça do nosso Salvador.
Um abraços a vocês,
Daniel grubba
Caríssimos,
Fico muito feliz que o papo lá no RVJ tenha tido este efeito em vocês (e fico feliz que tenha rendido um post seu, Ricardo, um post que está muito bom!). E devo dizer que o debate causou o mesmo efeito em mim.
E embora vocês tenham me colocado entre as feras, estou de boca aberta com o Jonas e o André (este ainda mais por nossas conversas via chat). Assim, volto a dizer o que disse por lá: mesmo que, em certos momentos, tenhamos um conhecimento ou entendimento menor que o que está sendo debatido, não deixemos de participar. Vocês dois, Ricardo e Jorge, contribuíram muito para o debate.
Ricardo, desculpe-me não ter entendido bem o seu ponto de cara. Mas como eu disse depois: entendo! rs. De todo modo, vale o que te disse lá. Eles são, enfim, irracionais. Pois não possuem Fundamento. Porém, ainda assim possuem vislumbres da Verdade. Aliás, devo acrescentar algo. Tenho me convencido que o próprio fato de haver uma revelação geral os impede de não ter estes vislumbres, mesmo quando tentam ser deliberadamente irracionais. Mas isto é um outro papo!
Daniel, o ponto é justo este! Deus falou! E porque falou tudo tem o significado de acordo com Sua Palavra, Seu Logos! Se queremos conhecer a Verdade, eis o Verbo a dar o significado de tudo!
Grande abraço, meus irmãos!
NEle,
Roberto
Daniel,
Obrigado pela participação. Também concordo que "todo o conhecimento vem de Deus", pois é Ele quem unifica tanto o conhecimento proveniente do homem natural, como o conhecimento salvífico. DEle provém todas as coisas.
Roberto,
De fato, a nossa conversa foi extremamente edificante. Confesso que me levou a refletir... e muito. Tentei passar alguma coisa no meu post, malgrado a superficialidade do meu conhecimento sobre filosofia. Bom que você tenha gostado. Quanto a não ter entendido o meu ponto, isso é natural, pois eu também não consegui expressar bem o que buscava (exatamente por não dominar o assunto).
Grande abraço,
No amor de Cristo,
Ricardo
Caro Ricardo:
Precioso este chamado, que nos eleva nos torna "prisioneiros" de sua vontade mediante a qual vivemos a realidade objetiva e subjetiva.
Abraços!
Caro Pastor Geremias,
Um prazer recebê-lo aqui. Para complementar o seu comentário, eu diria que nos tornamos "docemente" cativos da vontade de Cristo, o nosso pastor que nos conduz à vida eterna, pela fé que nos foi dada pelo Pai (João 6:44, 65).
Grande abraço!
Em Cristo,
Ricardo
Postar um comentário
Serão sempre bem-vindos comentários sérios, respeitosos e que convidem à reflexão. Se é esse o seu intento considere-se aceito.