terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Predestinação e responsabilidade humana






Dizem que algum dia todos já foram arminianos, acreditando firmemente no livre arbítrio para buscar a Deus, ter fé, a despeito de ser tão claramente explicado na Bíblia que "todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus" (Rm 3:23).

Além de toda a humanidade estar destituída da glória de Deus com o advento da queda do homem (pecado de Adão), ainda assim o mesmo apóstolo Paulo ainda nos adverte que:

"Não há justo, nem sequer um, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer" (Romanos 3: 10-12).

Ora, se fomos destituídos da glória de Deus e se não podemos buscá-Lo, conforme claramente explicitado na Bíblia, não há como se discutir que esse "sopro de fé" nos é insuflado por Deus, pelo que se designa na Bíblia como graça (Ef. 1:4-5).

Todo o processo salvífico do homem é "dom de Deus" , logo, não vem de nós (Ef. 2:8-9). O Criador, na Sua glória, misericórdia e Soberania é quem elege os seus para a salvação, mediante a graça pela fé em Cristo num processo ordenado (Rm 8:29-30) e reprova outros, consoante exemplificou em sua Palavra referindo-se a Esaú e Jacó (Rm 9:11-23).

Quanto a essas verdades eu já não tenho qualquer dúvida, mesmo tendo sido um dia arminiano, crendo na capacidade de buscar Deus a despeito dEle mesmo, vejo que essa possibilidade não existe e é anti-bíblica (Fl 2:13; Jo 6:44, 6:65).

A única dúvida que ainda teima em aflorar - talvez a palavra não seja esta, mas falta de compreensão - é a antinomia predestinação versus responsabilidade humana. Eu aceito a predestinação com resposabilidade humana, porém, não nego o paradoxo (aparente ou real?) entre as duas proposições. Por outro norte, não consigo aceitar que tais proposições sejam axiomas, assim entendido como "algo óbvio ou consenso". Não! De maneira alguma!!!

Se tais proposições fossem uma platitude, como querem alguns reformados (e eu sou um), não sobejaria tanta discussão a respeito da questão: uns aceitando, outros não; uns explicando, outros não. E outros ainda, simplesmente aceitando a existência das proposições, mas cedendo ao mistério de Deus - não sem antes buscar incessantemente a resposta.

Um argumento que considero meio faccioso e reacionário é simplesmente tachar aquele que "cede ao mistério" por não extrair lógica do silogismo, como intelectualmente menor, implícita ou explicitamente, "não redimido", por não ter sido "iluminado" pelo Espírito Santo. Essa posição, confesso, me causa certo descontentamento. Além de ser arrogante.

Eis que tal discussão veio à tona no blog da Norma Braga (normabraga.blogspot.com), sendo que eu quero colacionar alguns comentários (aqui) (não todos, pois ficaria muito extenso), conforme o farei abaixo, devidamente editados, com a citação dos nomes de cada um dos comentaristas:

Ricardo Mamedes disse...
Olá norma,Concordo com a sua última consideração. Efetivamente cabe a nós reconhecermos a soberania de Deus sobre a sua criação, em detrimento das nossas próprias escolhas: a vontade do homem é um 'minus' em relação à soberania divina. Este o primeiro ponto.Destarte, com referência à assertiva do Jorge Fernandes (e sei que o Roberto tem igual pensamento), acho que ainda não há uma resposta clara para a questão da predestinação e responsabilidade humana (posição do Rev. Nicodemus e John Piper). Conforme já afirmei alhures, os argumentos não me convenceram, por falta de lógica. E aí sim, reconheço que a lógica humana é insuficiente para a plena compreensão da lógica de Deus.Logo, consigo aceitar as proposições do calvinismo mesmo reconhecendo a minha incompreensão sobre a questão colocada à lume. Por outro lado, sou forçado a reconhecer que, quando tentam explicar esse mistério para "reforçar", senão corroborar o calvinismo, há sim uma certa forçação de barra. O raciocínio fica torto, meio claudicante, pra não dizer sofismático.Conclusão: aceito o calvinismo como melhor doutrina, mesmo com alguns pontos de interrogação.



Norma disse...
Ricardo,Argumentar também que Jesus é cem por cento Deus e cem por cento homem é uma impossibilidade lógica. Há pontos da fé em que a lógica humana é insuficiente. Mas abordar o assunto não pode ser um tabu. Mesmo correndo o risco de "forçar" a barra, temos de tentar. Se o assunto devesse ficar fora de nossa alçada intelectual, Deus não teria permitido que surgisse na Bíblia.Mas não creio que seja forçação de barra admitir duas verdades irreconciliáveis quando se trata de Deus. Deus não é homem. Somos mentes finitas tentando pensar o infinito e, sobretudo, tentando desesperadamente não diminuir Deus. Qualquer argumento que coloque a responsabilidade humana CONTRA os desígnios eternos de Deus (uma lógica que funciona na vida dos homens, mas não para pensar Deus) acabará por diminuí-lo. Só para evitar isso, vale todo esforço. Para mim, basta o pensamento de que as duas realidades coexistem. Como e por quê, só saberemos no céu.



Roberto Vargas Jr. disse...
Ricardo,Já discutimos alhures e sabemos como pensamos a respeito. Apenas queria acrescentar que o problema aqui não é tanto lógico, mas axiomático. Só haverá um problema lógico se aceitarmos a premissa de que é necessário autonomia para a responsabilidade. Pois a vontade não autônoma que chamamos livre-agência é suficiente para que haja a responsabilização. E, embora eu possa pensar a responsabilidade menos dependente da vontade que isso, não me oponho a este pensamento de forma alguma! Na verdade, eu o assumo.

Ricardo Mamedes disse...
Norma,Mas foi exatamente isto que eu afirmei: a nossa compreensão não alcança todas as verdades de Deus. E o problema colocado,a meu ver, é uma dessas verdades, um desses mistérios.Eu jamais considerararia tabu este ou qualquer outro assunto, tanto que o discuto, e mais do que isso, aceito, tento compreender tudo até chegar à encruzilhada citada por você, que desaguaria na diminuição da soberania de Deus.Para deixar claro, também penso que o fato de reconhecer duas verdades inconciliáveis não é a forçação de barra a que me referi, mas sim o fato de querer explicar o inexplicável de Deus à luz do conhecimento humano. Todavia, esta é a minha posição - e eu certamente não a quero como verdadeira. Mesmo porque é o posicionamento de quem confessa não ter respostas para a "equação divina".Roberto,Apenas citei que o seu pensamento ia naquele sentido. Quanto a considerar que "a vontade não autônoma (livre agência) é capaz de gerar "responsabilidade", mesmo sob a égide da soberania divina, é exatamente o que não me convence nesse viés. A meu ver a responsabilidade humana somente seria explicada logicamente ( e precisa ser lógico, pois discutimos sob o prisma da nossa finitude e limitação)se houvesse autonomia. Portanto, como eu aceito que não temos mesmo autonomia, uma vez que estamos adstritos aos desígnios de Deus, o raciocínio me parece incompleto, embora bem alinhavado.



André disse...
Caro Roberto, antes de tudo quero agradecer por seu comentário sobre o negócio dos fractais. A despeito de sua ignorância, fique à vontade para comentar ou mesmo perguntar por lá. Talvez acabemos descobrindo que sou tão ignorante quanto você, ou quase. Ao menos me sinto muito ignorante quanto a física e matemática, sobretudo esta última. Seja como for, fico feliz em saber que você tem gostado desses textos.
Quanto ao assunto em pauta, ainda não pude ler os textos que você recomendou, mas aproveito para indicar aqui um que escrevi em julho de 2007, e do qual creio ainda poder endossar os pontos essenciais: http://andrelv.blogspot.com/2007/07/mais-grandiosa-das-aventuras.html. Creio que o texto poderá ser mais bem compreendido se eu declarar desde já aquilo de que ele não trata: não busco decidir se Deus pode ou não interferir em nossa liberdade, e sim se é possível - algo metafisicamente, digamos - que ele não o faça. Mas não entendo liberdade no sentido de autonomia em relação a Deus, e sim no de oposição ao determinismo, em qualquer sentido materialista, spinozista ou coisa do tipo. Aliás, a ambivalência dos termos é uma fonte de problemas: nego o livre-arbítrio ao discutir com arminianos e semipelagianos, mas o defendo ao discutir com ateus, agnósticos e monistas. É necessário atentar para o fato de que esse termo, e outros correlatos, adquirem diferentes significados nesses diferentes contextos. Bem, creio que não precisava dizer tudo isso a você, mas talvez seja útil para outros leitores que eventualmente passarão por aqui.
Creio que logo descobriremos se concordamos ou não, e em quê. Mas devo manifestar desde já meu acordo quanto a um ponto: considero certas ênfases no mistério um tanto exageradas; o assunto é, digamos, "desbravável" até certo ponto, pelo menos, e esse ponto é profundo o suficiente para fornecer respostas racionais a muitas objeções que se fazem ao calvinismo por aí. Não devemos negar o mistério, mas também não devemos deixar que cresça além do necessário. Ao mesmo tempo, não posso deixar de concordar com o Ricardo, e não posso ter a pretensão de uma resposta completa para a questão. Muitas soluções oferecidas também me incomodam. A solução do Jorge, de que creio ter lido algo parecido em Gordon Clark, é uma delas. Não aceito a formulação tradicional do problema, a não ser que se defina liberdade de alguma maneira mais precisa do que comumente se faz. E tampouco aceito a acusação de que "o dilema não passa de um temor que temos de que o mundo julgue a Deus pela existência do mal", como disse o Jorge. Mas creio que o post que indiquei diz o suficiente sobre o que penso a respeito.




Ricardo,Sim, meu pensamento vai um pouco na direção do do Jorge. Mas digamos que estou entre ele e você! rsBem, de fato é difícil de não ceder ao mistério se se assume a premissa de que é necessária autonomia à responsabilidade. Para mim, aquele texto que citei de Calvino é magistral e suficiente para resolver a questão. Mas eu sugiro a leitura das Institutas completas. Pode até não resolver a questão para você, mas será certamente edificante!

Conclusão: que atire a primeira pedra aquele que souber a resposta capaz de exaurir o conhecimento de Deus.


2 comentários:

Roberto Vargas Jr. disse...

Olá, Ricardo, meu caro!

Aparentemente há ainda duas proposições minhas que lhe incomodam. Porém, elas não tem o sentido que você parece ter entendido.
1) Axioma tem o sentido de uma premissa aceita como verdadeira sem que haja provas. Nada nele há de óbvio ou consensual, exceto, talvez, por aqueles que o aceitam.
2) Quando afirmo que o não redimido é incapaz de aceitar a idéia de uma liberdade não autônoma, não quero dizer que aquele que não a aceita não seja redimido. O sentido de minha afirmação é que, se o redimido tem dificuldades com a questão, imagine o não-redimido. Este não terá mesmo como aceitá-la!

Quanto ao mais, se, por um lado, sigo afirmando que este mistério em especial não é dos mais misteriosos para mim, por outro, nem por isso deixa de haver mistério!
E o conhecimento de Deus não é apenas superior ao nosso. É infinitamente superior e, como tal, insondável!

No amor do sábio Deus,
Roberto

Helder Nozima disse...

Oi, Ricardo,

Pode sim publicar o meu artigo. Sou do partido do mistério, rs, e não me atrevo muito a respondê-lo, por achar que afirmar o paradoxo já é suficiente e que a Bíblia não vai além disso.

Abraços!

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