segunda-feira, 23 de maio de 2011

Com Deus, mas sem teocracia


Cumpre esclarecer, inicialmente, que tenho vários amigos defensores de uma teocracia, ou um governo teocrático a ser estabelecido no mundo, e no Brasil em particular, orientado pelas Leis bíblicas - em sentido 'lato senso', no afã de não particularizar (Lei mosaica) para não ser acusado de simplista.

Um problema que enxergo nesse grupo é uma certa condescendência generosa com que premiam aqueles "outros" cristãos que não comungam do seu ideal, próximo a um beneplácito para com os pseudos-crentes contrários à "lei de Deus". E nesse ponto eu os acho rasos. O sentir-se detentor da verdade não faz ninguém dono da verdade. O exclusivismo purista sobre uma "interpretação" à prova de refutação ou contestação é uma verdadeira falácia, posto que a ninguém cabe decretar juízos de valor imperativos provenientes do próprio pensar: a arte de raciocinar pode até ser geral, mas não o seu produto. Sem esquecer que nem todos os raciocínios podem ser considerados verdadeiros, ainda quando partem de uma verdade absoluta (passível de ser torcida).

Não desejo aqui fazer uma longa citação de versículos bíblicos no intuito de "provar" o erro dos teocratras/teonomistas a respeito de um Estado guiado por Leis bíblicas civis, com aplicações penais, especifiamente estabelecidas no AT, no pentateuco, cujo arcabouço jurídico é comumente denominado de Lei Mosaica. De forma geral, vejo inúmeras exceções àquela regras, contidas no mesmo arcabouço, seja no primeiro pacto, ou no segundo.

A meu ver, embora com os seus erros e desacertos, o Estado deve ser laico. Parafraseando o Helder Nozima, o Estado deve garantir o direito de pecar. Nesse diapasão, o padrão da lei humana jamais terá o padrão da Lei de Deus: "A César o que é de César e a Deus o que é de Deus". Homens que se dizem cristãos jamais aplicarão a Lei de Deus com equanimidade e justiça, ainda quando investidos de autoridade.

O mundo se compõe de povos com crenças diversas, e o Brasil não é diferente. Além de cristãos há também muçulmanos, judeus, budistas, maoístas, hinduístas, etc. Partindo-se de uma teocracia, qual desses grupos deteria o poder, a força da aplicação da Lei, estabelecida segundo os seus padrões religiosos? Sim, porque a moral e a ética são diferentes, com peculiaridades em cada grupo.

Provavelmente este meu texto deixará indignados os meus amigos teonomistas, por não defender o cristianismo. Porém, se isto ocorrer eu afirmarei que é um erro crasso, refletindo uma compreensão superficial de problema tão complexo. Pois bem, seguindo na mesma trilha, penso que o Estado deve ser laico, com regras de conduta definidas para o seu povo, a ser aplicadas emItálico seu território a fim de garantir a unidade. Esse tal Estado teocrático, ainda que refletindo os valores do cristianismo, nos quais acreditamos e cremos absolutos, jamais garantiria a unidade, mas, ao contrário, estabeleceria o caos e a beligerância, oriundos das disputas que adviriam, resultado de tamanhas e complexas diferenças.

Ademais, mesmo acreditando que os valores provenientes da "Lei" possam e devam ser aplicados ao nosso tempo sem qualquer adequação, malgrado os seus aparentes e possíveis anacronismos e exceções (...que atire a primeira pedra...), quem teria a titularidade e autoridade para tanto? Se já não temos os profetas nomeados por Deus para "ungir" o "rei", quem o elegeria? O povo? Seria estabelecida uma democracia representativa? Somente cristãos poderiam votar (aí já não seria democracia...)? Se todo o povo tiver o mesmo direito, voto por voto, qual será o resultado? Ou o governante será nomeado, com poderes de plenipotenciário? Mas quem o nomeará, o povo, ou o próprio Deus?

Os questionamentos acima são apenas um fragmento do que poderia efetivamente surgir se a teocracia fosse novamente estabelecida no mundo atual. Utopias não funcionam em um mundo real. Há que se compreender que a Lei Mosaica foi instituída em favor de um povo escolhido, eleito por Deus (Israel). Um povo que ainda não tinha lei. Um povo oriundo da promessa e gozando dos seus benefícios exclusivos, quando os demais povos se encontravam afastados dessa mesma promessa. Com a vinda de Jesus Cristo, o Salvador, a graça foi ofertada a todos, judeus e gentios, provenientes de toda a face da terra.

Devemos pregar o Evangelho e anunciar a Cristo; a Lei de Deus está incrustada em nossos corações e a ela tememos e respeitamos, mas não temos a titularidade da sua aplicação, tampouco nos foi delegada autoridade para fazê-lo. Não fomos ungidos por Deus e Ele não nos delegou autoridade política ou governamental para instituir um estado teocrático nos moldes daquele que houve em Israel. O próprio Estado de Israel não discute a possibilidade de instituir um Estado teocrático judaico/cristão.

Tenho a esperança, quase certeza, que o próprio Deus jamais delegará ao seu povo autoridade para a aplicação da sua Lei nesta terra, posto que Ele governa e sustenta não somente este mundo como todo o universo. E Ele, através de Seu Filho, julgará a todos quantos devam ser julgados, quando estabelecer o seu Trono neste mundo, e os campos estiverem prontos para ser ceifados. E então, quando da ceifa, será separado o joio do trigo, cada um para a sua finalidade.

4 comentários:

Paulo Brasil disse...

Amado irmão,

refutá-lo exigirá o uso de toda "teologia pessoal" e ainda um ranço de frustração e soberba sobrevirá sobre seus acusadores.
Muitos tomando pensamentos pessoais saem em busca de "bases bíblicas" para torná-los teologia.

mais uma vez dou graças ao Altíssimo.

Que o Senhor seja louvado!

Ricardo Mamedes disse...

Caro irmão Paulo,

É um prazer tê-lo por aqui mais uma vez, pois os seus comentários são sempre bem-vindos, especialmente pela serenidade e sabedoria que neles estão contidos.

Novamente concordo com você, realmente os "pensamentos pessoais", interpretações muitas vezes que se disntanciam do texto bíblico em um exercício quase acrobático, levam a entendimentos estranhos e por vezes perigosos. Fruto disso pode ser a exacerbação de "paixões" extremistas, nem sempre santas, possíveis de levar à violência, alicerçada na "Lei".

Grande abraço meu irmão!

Ricardo.

Unknown disse...

"...o Estado deve garantir o direito de pecar".

Depois de ler isso, não tenho nem o que comentar. Se você não vê a perversidade dessa afirmação, não sou eu quem irá argumentar.

Deus te abençoe, meu irmão.

Frank Brito disse...

"Prafraseando o Helder Nozima, o Estado deve garantir o direito de pecar".

Homicídio, roubo, rapto e estupro são pecados contra a Lei de Deus. O estado deve garantir então o direito de transgredir a Lei de Deus nesses pecados já que homicídio, roubo, rapto e estrupo são imorais somente porque a Lei de Deus diz que é? Afinal, não podemos impor a moral cristã. A não ser que você acredite que exista alguma coisa que faça com que essas coisas sejam imorais, a parte de Deus e Sua Lei.

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