É possível que o tema colocado neste post possa despertar a curiosidade de alguns, especialmente dos protestantes, sejam eles pentecostais ou tradicionais - e aí permito-me não usar a nomenclatura "evangélico".
Muito se debate sobre o vocábulo carisma e o seu derivado carismático. Igrejas se denominam carismáticas ou não. Membros de seitas, igrejas, movimentos, igualmente defendem uma ou outra postura no que se refere aos dons espirituais.
De um lado temos as igrejas históricas e tradicionais como, por exemplo, a presbiteriana e batista a se definirem mais pela pregação da Palavra, dando pouca ênfase aos dons miraculosos ou extraordinários citados pelo apóstolo Paulo em 1 Coríntios 12:8-10, e, de outro lado, aparecem as igrejas pentecostais e neopentecostais dando forte enfoque a tais dons.
Porém, a indagação que ecoa é: é necessário que a igreja seja carismática e que os crentes também o sejam? A meu ver, depende. E a casuística toda é sobre o real significado desse carisma.
É possível, por um lado, afirmar que a igreja é carismática, tendo em vista a figura de Cristo a exercer forte carisma sobre as pessoas, os crentes em geral, por vários motivos e circunstâncias, uns bons e outros nem tanto, especialmente se olhamos para o evangelicalismo atual com as suas propostas para lá de espúrias. Por outro lado, causa polêmica e espécie entre os próprios evangélicos a questão do carisma vinculado aos dons espirituais miraculosos, tais as profecias, curas, línguas 'estranhas' e interpretação. Não que não haja respaldo escriturístico, pois, conforme citamos no início, há (1 Coríntios 12:8-10). A questão que emerge é sobre a manifestação dos ditos dons na igreja, a causar a divisão bem definida entre as igrejas tradicionais/históricas e as pentecostais e neo.
É notório que o movimento pentecostal surgiu no início do século XX em decorrência da grande ênfase nos dons miraculosos, fundados em uma atuação sobrenatural do Espírito Santo , cuja cognição se dá pela manifestação, sobretudo, das línguas estranhas. Nessa esteira mística, seguiram-se as novas profecias , curas e revelações de toda ordem. E é este o aspecto mais conhecido e usual do termo carismático. Logo, carismáticos são aqueles que defendem a manifestação de tais dons revelados no segundo batismo (segundo entendimento corrente).
Pessoalmente eu não tenho nada contra os movimentos carismáticos, desde que delimitados em seu espaço. Todas as pessoas devem ter liberdade para cultuar segundo as suas crenças, ainda que sejam rituais não bíblicos, como vemos em muitos movimentos e seitas neopentecostais. A liberdade de culto determinada pela própria Constituição Federal defende práticas religiosas de todos os matizes, até as mais bizarras.
Sou contra violentar princípios e doutrinas abraçados pela denominação, uma vez que a liberdade de culto a que fiz referência em epígrafe, impõe igualmente obrigações. Desde que eu me filie a determinada igreja, vinculada a uma denominação, faço um pacto de aceitação com os seus princípios. Assim, se tradicional/histórica, a exemplo da Igreja Presbiteriana, não haverá a ênfase nos dons miraculosos , tais as línguas estranhas, o segundo batismo, curas e profecias. E quem lá se filia faz um compromisso moral de defender os princípios constantes da declaração de fé.
A desonestidade, a meu ver, consiste em que um membro, um pastor, ou líder, se rebele dentro do movimento impondo o que lhe é estranho. Seja negar os dons miraculosos no seio do movimento de viés pentecostal, ou incluí-los da maneira como são entendidos pelo movimento pentecostal dentro da igreja histórica/ tradicional. Os desentendimentos, desvios doutrinários e divisões surgem daí. Portanto, não consigo vislumbrar qualquer razão nesses líderes, ou em suas ações, a não ser a mais cristalina desonestidade.
Há não muito tempo eu mesmo vivenciei algo assim, quando membro de uma Igreja Batista. Nascido e criado naquela denominação tradicional, vi a igreja ser tragada por todo tipo de bizarrice, especialmente as revelações, línguas estranhas e cair no espírito. E vi a igreja ser implodida, exatamente pela desonestidade dos seus líderes que violentaram os princípios historicamente abraçados pela denominação. Hoje sou presbiteriano. Serei presbiteriano enquanto ver respeitada a declaração de fé da denominação; enquanto ela se mantiver dentro dos princípios bíblicos que eu entendo corretos, à semelhança do que prega.
Outrossim, repito: respeito todas as crenças, amo os meus irmãos pentecostais, arminianos ou não, embora sendo presbiteriano. Mas penso que cada um deve ficar dentro dos seus limites.
Vale lembrar que não sou cessacionista. Sou continuísta, creio nos dons, mas não exatamente como são apregoados pela maioria dos carismáticos.
E que todos vivamos em paz.
10 comentários:
Ricardo,
Compartilho da mesma estranheza que vc. Não acho honesto um líder se opor a princípios da instituição que está inserido (seja igreja, ou outra coisa qq). É uma questão de lógica, se não concordo, saio.
Entretanto, há de se notar que no contexto eclesiástico, guardadas as devidas proporções, todas as matizes de doutrinas se arrogam como fiel ao princípio constituinte da igreja, denominação ou grupo - e aqui me refiro ao princípios secundários, i.é. interpretação bíblica e não o valor da Biblia (contenda da reforma do sec. XVI).
Quando temos uma igreja como a IPB, que é regida teologicamente por seus 3 símbolos de fé (CFW, CMW e BCW). Administrativamente pela Constituição Interna, pelos regimentos e estatutos e pelos concílios (conselho local, presbitério, sínodo e Supremo Concílio) , contando com mais de 150 anos de organização, normatização, definida e bem explicada em diversos níveis, enfim com um histórico documental e com um corpo de líderes que seja responsável pela manutenção da ordem (seja teológica, seja administrativa) é fácil identificar o erro e então rechaçá-lo.
E ai não posso deixar de demonstrar minha preocupação com o modelo de igreja livre. Sem controle o que pode ocorrer? Quero lembrar a Capela de Westiminster (pastoreado por M. Lloyd-Jones ) como exemplo, o ministro antes dele era de confissão arminiana e o auxiliar de Jones, que depois o sucedeu era bastante evangelical (para não dizer não dizer neo-ortodoxo ou liberal).
Mas vejo que parte do problema de se manter ou permitir tais desvios tem a ver com duas situações:
1- A falta de conhecimento: os novos líderes e os novos membros não são mais sistematicamente ensinados sobre o que a denominação (ou grupo) crê!
2- A falta de respeito: e aqui penso mesmo na falta de respeito pelo funcionamento organizacional, literalmente fazer “vista grosso”.
Agora em si tratando especificamente do problema, deferentes formas de ver as mesmas passagens, temos que abrir a possibilidade da convivência pacifica. Por exemplo a sua auto-intitulação “continuísta”, é vista como heresia por uma parte da IPB, e até há gente que o chamara de covarde, pois vc é um pentecostal enrustido.
Enfim, vejo grandes dificuldades em definir alguns assuntos doutrinários e mesmo recorrendo à documentação histórica (e nisso a IPB é imbatível) não temos onde nós apoiar, e, para exemplificar, vou lembrar de 3 assuntos polêmicos:
1- Questão supralapsariana e infralapsariana
2- Teonomia e guarda espiritual da graça
3- Cânticos livres e salmodia exclusiva
Existem mais, culto litúrgico ou informal? Teatro e dança no contexto eclesiástico; palmas, pregação e oração feminina, etc.
Nisso tudo, como pastor presbiteriano, peço a Deus serenidade para mudar o que posso, força para aceitar o que não posso mudar e sabedoria para discernir entre os dois.
Em Cristo,
Esli Soares
Olá paz!!!
Ufa!!! ainda bem que você ama os pentecostais, ja tava ficando triste,,,,rsrsrs abraço Ricardo!!!
Esli,
Seu comentário merece um outro post. Certamente as suas palavras são muito bem colocadas.
Penso que a Bíblia, e somente ela, deve ser a regra de fé e prática. O problema são as interpretações, como no caso dos dons miraculosos. E é por isso mesmo que surgem tantas divisões a desaguar em um número estrondoso de igrejas (seitas).
Concordo também em que a IPB seja mais cuidadosa doutrinariamente por ter os seus símbolos de fé bem definidos, com uma hierarquia administrativa igualmente cuidadosa. Convenhamos também que o sistema representativo é mais centralizado do que o congregacional, por isso mesmo com mais facilidade de fiscalização dos seus pastores e líderes.
Quanto à "heresia" do continuísmo, embora sendo a CFW cessacionista, os presbiterianos estão bem divididos entre cessacionistas e continuístas, você bem sabe. Como eu disse, não sou cessacionista, pois penso que isso limitaria Deus. Também não creio nos dons como a maioria, volto a dizer.
E você, vai assumir o continuísmo nesse momento, ou vai continuar em cima do muro (hehehe)?
Grande abraço.
Ricardo.
Luciano, meu camarada e irmão!
É claro que amo os irmãos pentecostais! Tenho inúmeros amigos assembleianos muito chegados. As nossas diferenças teológicas, penso, não podem ter a força desproporcional capaz de nos afastar. Não gosto de extremos, como tachar de hereges os que pensam diferente. Tenho certeza que há eleitos em todas as igrejas e em todos os nichos teológicos.
A prova de que aprecio os irmãos pentecostais é, por exemplo, o apreço que tenho por você, meu caro irmão.
Abraço!
Ricardo.
Ricardo,
Gostei de sua exposição. Porém, discordo de alguns pontos.
Nao vejo necessidade de ter isto OU aquilo, quando podemos ter isto E aquilo. Por que manter a separação entre carismático e tradicional? Não seria melhor irmãos carismáticos e tradicionais juntando o que cada um tem de melhor?
Sei que sua preocupação é mais eclesiástica. Mas,a té onde sei, a IPB não exige de seus membros a subscrição dos símbolos de fé, mas de seus pastores apenas. Assim, nada há que impeça um membro de uma igreja tradicional de ser carismático.
Também acho que o termo desonesto pesado demais para referir-se aos líderes que assumem-se carismáticos. Acho que podem ser acusados do que quiserem, menos de desonestidade. Mais desonesto seria a pessoa assumir publicamente uma posição quando em seu coração e mente crê de maneira diferente. Podemos apenas supor quantos estão nessa situação.
Alem de tudo isso, creio que devemos subordinar tudo à Palavra de Deus. Se a Bíblia é continuísta e um declaração de fé que se baseia nela é cessacionista, não é o caso de se colocar em prática o eclesia reformata, semper reformanda? E pode uma declaração de fé constranger a consciência de alguém?
O irmão assume que um pastor se dizer continuísta é aceitável dentro da IPB, devido a realidade ser meio a meio. Primeiro, não vejo a diferença entre carismático e continuísta, sendo este aquele que crê nos carismas. Segundo, e se metade dos pastores presbiterianos se tornarem carismáticos, isso passará a ser aceitável?
Em Cristo,
Clóvis
Caro Clóvis,
É você mesmo ou um fake (rsrs)? Rapaz, nunca o havia visto sem o famoso cavanhaque, mas que diferença!
Bem, quanto ao seu comentário, vamos ao termo que você achou pesado: desonestidade. Olha, eu mantenho o adjetivo para os pastores tradicionais, especialmente da IPB, que tentam violentar a denominação a que servem. Ora, a referida denominação não é carismática e , até onde conheço da maioria dos seus pastores, também não o são.
Quanto ao continuísmo, deixei bem claro que não creio nos dons como creem a maioria dos pentecostais, especialmente os miraculosos. Exemplo disso é lingua estranha, cuja Bíblia, a meu ver, não endossa este entendimento (lingua estrangeira, idiomas humanos inteligíveis). Quanto às revelações, até onde eu vi e vivenciei, só pude colher estranhezas, carnalidades e mentiras.
Eu vejo uma imensa diferença entre ser carismático e continuísta, quando os dons são analisados "in concreto". Assim, como expliquei em epígrafe, sou continuísta e não sou carismático. Sou continuísta no sentido de saber que Deus, na sua soberania, faz milagres hoje, inclusive curas, usando pessoas, situações e coisas. No entanto, não acredito em curandeiros da fé, a exemplo dos Waldemiros Santiagos da vida. Quanto às revelações humanas, prescindo delas, mas creio que Deus pode usar o irmão (e usa) para falar algo que seja edificante para mim, especialmente se estiver em plena adequação com a Bíblia.
Em suma, sou continuísta, mas não sou místico. Pratico uma fé racional baseada exclusivamente na Palavra de Deus. Jamais basearei as minhas certezas na humanidade de quem quer que seja, ainda que se denomine como "mensageiro de Deus".
Grande abraço.
Ricardo.
Ricardo,
Você diz:
"Quanto ao continuísmo, deixei bem claro que não creio nos dons como creem a maioria dos pentecostais, especialmente os miraculosos. Exemplo disso é lingua estranha, cuja Bíblia, a meu ver, não endossa este entendimento (lingua estrangeira, idiomas humanos inteligíveis). Quanto às revelações, até onde eu vi e vivenciei, só pude colher estranhezas, carnalidades e mentiras. "
A seu ver, o que a Bíblia ensossa como línguas? Senão estrangeiras e nem ininteligíveis, o que são de fato?
Outra questão é: Em sua compreensão continuísta, as línguas em pentecostes são as mesmas manifestas em Corinto?
Permita-me amado, fazer-lhe tais perguntas.
Graça e Paz
Mizael Reis
Mizael,
Antes de mais nada, seja bem-vindo a este pequeno espaço. Sempre acompanhei os seus comentários alhures, principalmente no blog do meu amigo Jorge Isah.
Devo esclarecer uma coisa que ainda não foi dita: eu não me preocupo com os dons miraculosos, ainda que eles sejam genuínos. Parece que não me fiz entender quanto à língua "estranha". Quando eu coloquei em parêntesis logo acima, no outro comentário, quis afirmar que elas se referem mesmo a idiomas humanos, com todas as características que são peculiares a aos idiomas. Em Atos 2:4 (salvo engano), no pentecostes, penso não haver dúvida de se tratar de idiomas estrangeiros. Em 1 Coríntios, embora podendo haver a possibilidade de se tratar de glossolalia ( no original), não há prova conclusiva.
Porém, uma coisa é certa, a igreja de Corinto não pode ser exemplo para os cristãos, partindo do princípio que era, senão a mais problemática, certamente uma das piores, daquelas primitivas (imoralidade sexual, libertinagem, apologia ao pecado, etc). De tal maneira que aquela igreja não pode ser paradigma para o cristianismo - e somente lá se soube da existência dos dons de línguas. Sinceramente, a meu ver, o apóstolo Paulo, ao tratar dos dons miraculosos em 1 Coríntios o faz mais como advertência do que propriamente como defesa aos referidos dons, especialmente de línguas (aliás, ele assevera falar mais línguas do que todos... e para que não sejam faladas aos indoutos, o que leva a crer que eram mesmo idiomas, ou glossa).
Repito, não dou a ênfase que muitos dão a tais dons, que mais levam ao orgulho espiritual do que qualquer outra coisa. Eu, pessoalmente, me satisfaço com a leitura da Palavra.
Grande abraço.
Ricardo.
"Repito, não dou a ênfase que muitos dão a tais dons, que mais levam ao orgulho espiritual do que qualquer outra coisa. Eu, pessoalmente, me satisfaço com a leitura da Palavra."
Meu amado assim você me ofende, está generalizando, pois nem todos são desequilibrados e exibicionista como pensa.
Sou fruto da experiência "pentecostal", depois do batismo no Espírito Santo, preguei pela primeira vez dentro de um ônibus.
Antes que você pense que tal atitude estava estreitamente relacionado ao emocionalismo digo que depois de quatro anos continuo pregando dentro dos ônibus (não é sempre, mas prego).
Certa vez enquanto pregava, o ônibus assemelhou-se ao culto pentecostal, sim, houve manifestação do dom de língua, e quanto os não conversos, alguns choravam pelo toque do Espírito Santo.
Ainda me lembro do tipo de jovem que era na igreja (crente raimundo), depois dessa experiência que teve como evidência o falar em outra língua, nunca mais fui o mesmo.
De um jovem tímido e carnal a um pregador e ensinado da palavra.
Esse revestimento de poder é para os nossos dias.
Um grande abraço!!!
Jean Patrik
Enquanto pastores e evangelistas como vocês discutem o sexo dos anjos, as almas morrem nos valados e guetos das cidades e do interior.Como disse Jesus:Mateus 12:30
— Quem não é a meu favor é contra mim; e quem não me ajuda a ajuntar está espalhando.
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