quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Equilíbrio e sabedoria



A vida é pautada por tantos acontecimentos que não podemos enumerá-los. Eles se sucedem continuamente, e nós, seres efêmeros que somos, vamos também nos modificando. Pior seria se continuássemos imóveis, estáticos, encravados na mesmice sem nada aprender ou apreender.

Há, porém, valores que devem ser definitivos, tais os que se referem à ética, os que formam o caráter e que moldam a personalidade. Valores que, ou são, ou não são. Muitas pessoas dizem tê-los, mas ao serem confrontadas com situações limites, mostram um caráter incompatível com aqueles valores antes “construídos”.

Todavia, nem é sobre isto que quero falar. Desejo estabelecer o foco deste pequeno escrito em algo que caracteriza cada ser humano, e se exterioriza nas suas relações do cotidiano: equilíbrio. Como é difícil alcançá-lo! Quantas vezes somos "tentados" a perdê-lo... Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, dizem os antigos.

Lendo um livro de autoria de Anthony Hoekema, “Criados à imagem de Deus”, por sinal uma ótima obra, me detive a refletir sobre algo que ele analisa: a autoimagem. Podemos cultivá-la? Sim, uma vez que fomos criados à imagem e semelhança de Deus, e, mesmo os não-regenerados, a têm, ainda que disforme e depravada. Necessário, pois, que tenhamos uma boa imagem de nós mesmos, que nos amemos, pois assim estaremos glorificando a Deus.

O perigo é ter essa autoimagem excessivamente cultivada, pois se corre sério risco de incorrer em outro erro bastante comum, o narcisismo. Começa-se a se achar melhor do que o mundo todo, ou mais belo, ou mais inteligente, ou mais sábio, mais crente, mais, mais, mais... As qualidades dos outros “simples mortais” passam a ser apenas sombras das suas próprias e personalíssimas qualidades. Acometido por esse narcisismo em grau elevado, começa-se a ter uma certa miopia, o mundo passa a girar em torno de si mesmo. Do narcisismo à egolatria é apenas um pequeno salto. Outros saltos se sucedem, rumo à soberba, arrogância, vaidade.

Ser cristão não é fácil, pois significa abdicar da vaidade, calar quando necessário, ser educado com o próximo, suportar em amor. O silêncio é mais reconfortante do que a ironia fina, pois mostra um caráter regenerado. Abdicar da soberba é tarefa complicada, especialmente para os que se querem sábios, ou assim anseiam ser reconhecidos.

Tarefa difícil é calar quando se tem razão, suportar as inconsistências do irmão, silenciar para as suas incoerências, a fim de evitar contendas. E nisto, vale o ensinamento do apóstolo Paulo: "Nada façais por contenda ou por vanglória; antes com humildade, cada um considere os outros superiores a si mesmo" (Flp. 2:3).

Ainda que apartado dos valores cristãos, o sentimento de superioridade revela o pedantismo de uma personalidade torta. A sabedoria acalma, é apaziguadora. O sábio, principalmente cristão, não se sente obrigado a redargüir sempre, a ser incisivo além do que deveria, mas transige, sem medo de tornar-se menor aos olhos alheios. Em nada tais comportamentos se confundem com falsa piedade, ou falso moralismo cristão. É mesmo qualidade primordial dos sábios, que foram regenerados pelo Altíssimo.

Que sejamos de fato barro nas mãos do Oleiro, sal e luz nesse mundo de trevas.

18 comentários:

Georges Nogueira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
***Adriana Rocha*** disse...

E como é difícil ser cristão, chorar porque gostaria que algo fosse de um jeito mas tem que fazer do jeito que Deus quer, que quase nunca é do nosso jeito... Ah se ser cristão fosse apenas ir aos cultos.

Ricardo Mamedes disse...

Georges,

Nós, cristãos, sempre devemos estar abertos às lições. O Criador nos ensina diariamente através da sua santa Palavra. Honra e glória a Ele eternamente.

Grande abraço.

Ricardo.

Ricardo Mamedes disse...

Adriana,

Seja bem-vinda e volte sempre. É verdade, se fosse somente ir aos cultos seria muito fácil. Mas envolve bem mais do que isso... envolve abnegação, e a capacidade de buscar a Deus suplicando por misericórdia, já que é Ele mesmo que possibilita o "querer e o realizar, segundo a sua boa vontade" (Fl. 2.13).

Abs.

Ricardo.

Jorge Fernandes Isah disse...

Ricardo,

gostei muito da sua reflexão. Isso não quer dizer que temos "sangue de barata", mas até mesmo sangue de barata é necessário se ter, vez ou outra.

Paulo fala claramente daqueles que pregam o Evangelho por vanglória, o que não impede que Cristo seja proclamado, pois se Deus usou uma mula, pode bem usar qualquer outro "animal" para proclamar e defender a verdade. Mas aí do "animal"...

Há um versículo que o meu pastor gosta muito e vive repetindo-o a mim [será por que?]: "Até o tolo, quando se cala, é reputado por sábio; e o que cerra os seus lábios é tido por entendido" [Pv 17.28].

Com isso, não estou a defender o silêncio absoluto, nem uma estratégia para "fingir-nos" de sábios, apenas é necessário ao crente, como diz o Senhor, ser prudente. E essa prudência tem faltado em muitos aspectos em nossas vidas.

Forte e grande abraço, meu irmão!

Cristo o abençoe!

Regina Farias disse...

"Abdicar da soberba é tarefa complicada, especialmente para os que se querem sábios, ou assim anseiam ser reconhecidos".

Ricardo,

Pra variar, excelente reflexão que serve para cada um de nossos pensamentos e consequentes ações.

E,sem querer polemizar, afinal na minha vida cotidiana eu sou conhecida por primar pela simplicidade, por objetivar sem ser a prática e racional, sendo tão somente a rômantica sonhadora que não complica e apenas busca viver com naturalidade e sem frescura. (Meio paradoxal, pois o prático e racional é que parece não complicar).

Mas, apenas para eu me situar nesse seu belo puxão de orelha no qual eu me encaixo perfeitamente,(É óbvio, eu também estou no processo rss) eu acho que "se querer sábio" e/ou ansiar reconhecimento como tal já se constitui em soberba. Afinal, a sabedoria está em quem não se sabe sábio. Ademais, ansiar por reconhecimento é típico dos tolos, pretensiosos, soberbos... Sofredores da síndrome do Pódio, cujo maior medo é "tornar-se menor aos olhos alheios".

Enfim, refletindo sobre seu texto de uma forma, digamos, ampliada, o que eu observo tanto nos diálogos travados na vida cotidiana como no que leio por aí, é que quando se ativa a tecla da crítica, do humor e da ironia - como inclusive já captei em seu próprio blog - as pessoas tendem a achar que há ali uma nota dissonante. E eu não sei bem, mas me passa a idéia de que existe uma tendência à rejeição (por vezes inconsciente) como se uma meia dúzia de palavras respaldasse uma leitura da alma do autor das mesmas. Não sei, posso estar enganada, mas isso faz parte dos meus devaneios...

O certo é que eu costumo dizer que chego lá rss que caminho assim, buscando essa moderação sem perder a minha identidade em Cristo, pois tenho uma CONSCIÊNCIA e não quero jamais ser omissa nem tampouco "me controlar" como a pessoa da foto acima, que "me passa" ser reprimida, tensa, afinal o corpo fala e essas mãos rígidas,por exemplo, de repente falam muito mais alto acerca da alma de uma pessoa do que qualquer palavra rss

Tô apenas pegando o gancho da foto já que eu curto demais esse artifício, mas na minha humilde rss opinião, precisamos cada vez mais de naturalidade, espontaneidade, honestidade de sentimento, mãos mais soltas... Só assim a tal repulsiva performance vai ocupando cada vez menos espaço no nosso rígido cor-AÇÃO.

Seu texto me inspirou a focar no seguinte clamor:

Que Deus nos ajude a ser incisivos na medida/hora necessária!

Abs,

R.

Regina Farias disse...

Oops! Só esclarecendo: O "Pra variar" acima é entre aspas, afinal eu me identifico muito com seus textos, tenho enorme prazer em ler seus escritos, o que não significa que tenho que concordar com cada linha. Assim como você também comigo, óbvio!

Ricardo Mamedes disse...

Jorge,

Você toca no ponto nevrálgico do texto: equilíbrio. E não é porque as regras nos forcem a isso, mas por uma busca interior mesmo. O processo de crescimento que queremos e buscamos, resultado da regeneração e redenção.

Enquanto isso, vamos caminhando, rumo ao alvo...

Grande abraço!

Ricardo.

Ricardo Mamedes disse...

Regina,

Folgo em reconhecer que o seu comentário não só complementa o meu pequeno texto, como o enriquece.
Somente tenho um adendo a fazer: não é puxão de orelha a ninguém em especial, mas tão somente uma reflexão de cunho genérico - e se for puxão de orelha eu me incluo nele.

Quanto à ironia... não nego que use o recurso vez ou outra, todavia, tentando não fazer do recurso eventual uma regra. E você está mais uma vez certa, pois esse recurso é na maioria das vezes mal compreendido.

O fato de se ansiar por reconhecimento efetivamente já denota soberba. Aliás, muitos desses sábios são mesmo tolos, ainda quando usando de argumentos bem elaborados e raciocínios bem construídos, simplesmente porque, na gênese, se escondem.

Estou tentando com todas as forças fugir das discussões tolas, sem buscar performances; mas reconheço que não sou perfeito e tenho muito ainda a aprender, um longo caminho a percorrer. Continuarei buscando a autenticidade, a simplicidade, o equilíbrio.

Quem sabe, possamos ser sábios, exclusivamente por refletirmos a luz de Cristo. Que o Eterno nos ajude.

Abraços, e obrigado pela visita!

Ricardo.

Paulo Brasil disse...

"O silêncio é mais reconfortante do que a ironia fina, pois mostra um caráter regenerado."
Soberbo.

Amado,
acredito que o equilíbrio tende a ser relativizado, ao avaliar o comportamento apenas em fragmentos do tempo.

Entendo que o equilibro deva ser avaliado ao longo do tempo (vida cristã). Como uma perseguição, mesmo que se permitam as variações (indesejáveis, mas reais).
O texto abaixo me leva às conclusões.

E não somente isso, mas também gloriemo-nos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a perseverança,e a perseverança a experiência, e a experiência a esperança; e a esperança não desaponta, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.

Em Cristo.

Paulo Brasil disse...

"O silêncio é mais reconfortante do que a ironia fina, pois mostra um caráter regenerado."
Soberbo.

Amado, hoje à tarde fiquei pensando: Será que pessoas ao lerem soberbo, pensariam em um texto crítico ou um elogio à excelência do texto?.

Soberbo, execelente, grande. Esta foi a idéia de usar o termo soberbo.

Que o Senhor seja louvado.

Ricardo Mamedes disse...

Paulo, meu querido irmão e amigo!

Desculpe por ter demorado a responder ao seu excelente comentário. Fique tranquilo, pois o contexto em que a palavra "soberbo" foi usada, definitivamente demonstra que você gostou do texto, mais caracterizando a sua excelência, segundo a sua visão crítica.

Aproveito para agradecer a generosidade do seu comentário. Aliás, repito, soberbos são os seus textos poéticos, sempre fazendo vir à tona a supremacia de Deus em sua vida.

É um prazer renovado tê-lo por aqui. De fato, o equilíbrio deve ser avaliado ao longo do tempo, quiçá, da existência de cada um. E estamos mesmo em um processo, um longo e permanente processo de santificação, nós que somos verdadeiramente cristãos.

Um grande abraço a você, extensivo à sua família.

E volte sempre, a fim de dar a sua ótima contribuição a este pequeno espaço cristão.

Ricardo.

Rafael C. Alicrim disse...

Ricardo!
Seu post vai totalmente de encontro com minha forma de ver as coisas. Excelente!

Parabéns pelo blog. Nos próximos dias irei navegar nos outros tópicos para conhecer melhor seus escritos.

Obrigado pelo comentário postado no noticiador.com.br

Procuro convencer as pessoas da forma menos incisiva e mais acertiva possível.

Passarei a "seguir" seu blog também!

Em Cristo

Rafael

Pr. Silas Figueira disse...

Graça e paz Ricardo,
alguém certa feita disse que o orgulho é igual mau hálito, quem tem não sabe que tem. Quantas vezes a soberba e o orgulho invadem a nossa vida e nós nem se quer nos damos conta disso. Há muitos anos eu orei pedindo a Deus que me mostrasse como Ele me via, Ricardo antes eu não tivesse pedido. Deus me mostrou que eu era arrogante, orgulhoso e soberbo e que Ele iria trabalhar em mim e que seria muito ruim para mim, mas que no fim eu seria um melhor crente. Passei pela moinha de Deus, mas valeu a pena. Por isso que de tempos em tempos Deus me dá uma reciclagem (rs). Deus corrige a quem ama.
Parabéns pelo texto.
Fique na Paz!
Pr. Silas

Esli Soares disse...

Ricardo,

Que lugar movimentado!!! "Quando o caldo é bom a casa enche mesmos"...

Uma idéia que reflete tudo isso é:

A palavra proferida no tempo certo é como frutas de ouro incrustadas numa escultura de prata. Como brinco de ouro e enfeite de ouro fino é a repreensão dada com sabedoria a quem se dispõe a ouvir. Como o frescor da neve na época da colheita é o mensageiro de confiança para aqueles que o enviam; ele revigora o ânimo de seus senhores. (Pv 25:11 a 13)

O que posso dizer mais diante disso? Parabéns, ótimo texto.

Na paz.
Esli Soares

Ricardo Mamedes disse...

Rafael,

Obrigado pela visita. E parece que pensamos de forma muito semelhante mesmo, pelo menos no que se refere à incisividade com que alguns defendem os seus 'postulados".

Bem, volte sempre. Eu também voltarei ao seu blog para ler os ótimos textos.

Grande abraço,

Ricardo.

Ricardo Mamedes disse...

Pastor Silas,

Bom tê-lo por aqui novamente. O senhor andava sumido!

Quando conseguimos enxergar esses nossos defeitos é muito bom. Eu também, como disse aqui, me incluo no texto. Na verdade, travamos uma constante luta contra a "carne", conforme disse o apóstolo Paulo.

O melhor mesmo é deixar Deus trabalhar em nós sem grandes resistências, a fim de que possamos crescer em graça.

Abraços!

Ricardo.

Ricardo Mamedes disse...

Esli, meu camarada!

A sua citação bíblica é perfeita, praticamente complementa o texto. Saber ouvir reflete de fato a verdadeira sabedoria, muito mais do que muito falar. Assim como a palavra branda produz maiores resultados do que a palavra dura, dita em momento inoportuno.

Eu ainda penso que é melhor construir "pontes de afeto" , do que produzir rompimentos pela dureza do falar, agir. E que o nosso espelho deve ser Jesus Cristo.

Abração!

Ricardo.

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