segunda-feira, 11 de julho de 2011

Meu pai: reflexão sobre vida e morte



A vida é um constante risco. Vive-se e morre-se. Eis o risco maior. À medida que vivemos, perdemos um pouco de nós mesmos, já disseram antes de mim. Tão fugaz como é, se a existência humana se resumisse a viver e morrer, quão sem sentido seria viver! Porque a vida, por melhor que fosse, estaria a nos lembrar da proximidade da morte, e o medo seria tão excruciante que viver seria quase um fardo.

Há grandes homens que viveram com esse medo, como um espinho a cutucar a carne, cuja latência era provavelmente insuportável. Dizem que Freud foi um deles. Pobre Freud, tão sábio e ao mesmo tempo tão ignorante... Outros jogaram todas as suas fichas em uma existência única, rica, mas reconhecidamente passageira, brigando incessantemente com Deus em uma guerra unilateral, até que os seus dias foram cessados, conquanto já estivessem escritos e determinados antes que nenhum deles existisse ainda. Outros ainda ousaram decretar a morte de Deus.

A pequena introdução acima é apenas a preliminar de uma profunda reflexão que faço sobre a vida - hoje com mais ênfase e com muito mais sentimento e emoção. Estou a acompanhar meu velho pai em sua luta pela vida, na tentativa de estender os seus dias por mais algum tempo. Suas veias e artérias cansadas teimam em enrijecer e a se fechar, em um lento e inexorável escoar de vida. Enquanto isso, o conhecimento humano desenvolvido pela área médica faz os remendos aqui e acolá, construindo desvios ao longo desse emaranhado vascular.

Acho incrível como lutamos pela vida, mesmo quando a temos como um fardo, quando o peso dos anos vergam as nossas costas. É o caso do meu velho pai, já avançado em anos, mas com uma estrutura física invejável, ele teima em seguir adiante tentando driblar as calcificações e obstruções vasculares, quase como se tivesse aprendido a viver com menos pulsações nas veias que já se estreitaram tanto, seja em decorrência do fluir dos anos, ou da doença que as enfraquece sorrateiramente.

Esse fio de vida que às vezes quer se romper é cuidadosamente re-unido e remendado, e o fôlego é encurtado em uma respiração pequena, como que querendo economizar pulmões. Em uns, a vida segue, mas noutros, ela cessa. Meu querido e amado pai pertence ao primeiro grupo: apegou-se à vida e vem se mantendo bravamente, dia após dia, passo após passo.

E a luta não é somente daquele que peleja para preservar a própria vida, mas daqueles que lutam com ele: filhos, netos, genros, noras... A visita à UTI passa a ser a possibilidade de ver e ouvir o enfermo, ao mesmo tempo medindo as suas reações e escrutinando as suas dores. É momento propício para falar do autor da vida.

Homem de muita fibra, meu pai sempre foi um rebelde: cristão, mas teimoso; sujeito não muito afeito à igreja, porém, não a deixando totalmente. Nos momentos em que a estrada se fecha, em que a vida se torna difícil de ser vivida ou de ser mantida, preocupamo-nos com os nossos: será que ele está com Cristo?, é o pensamento que martela. Há uma espécie de dor que provém dessa incerteza.

Um dia antes da cirurgia cardíaca conversei longamente com o "velho", tentando obter informações que acalmassem e acalentassem o meu coração. A possibilidade de morte foi levantada com clareza, lembrando que a vida sem Cristo é um morrer eterno. Recebi dele a resposta peremptória de que a sua compreensão é completa a respeito da salvação e perdição eternas, enquanto afirmava a certeza de que estava com Deus e com ele ficaria, ainda que não suportasse a cirurgia. Oramos e falamos de Deus. Discutimos eleição e predestinação. Gostei das perguntas que foram feitas, como também da interpretação dele sobre essas verdades. A 24 horas de um procedimento cirúrgico de alto risco o meu querido pai estava firme, consciente do risco, mas convencido da própria salvação, bem compreendida por ele como presente, graça.

A cirurgia foi bem sucedida, porque Deus assim quis e determinou na sua soberana vontade e poder. A recuperação está rápida e além de satisfatória. Riscos existem - e muitos, mas creio que ainda não será o momento da última viagem, provavelmente teremos algum tempo mais com o nosso pai. Tempo para que ele cresça espiritualmente, para que compreenda a sua insignificância em relação à grandeza de Deus. Tempo para se aproximar dEle em adoração e culto.

Agradeço ao Senhor pela sua bondade, por nos presentear com vida e com a promessa de vida em abundância.

Obrigado SENHOR!

7 comentários:

Jorge Fernandes Isah disse...

Ricardo,

sem palavras! Você disse tudo!

Grande abraço!

Cristo o abençoe!

PS: Em oração pelo seu pai.

Ricardo Mamedes disse...

Jorge,

É bondade sua. Como eu disse alhures, é um texto bastante intimista, pois faz referência a sentimentos familiares, a um medo concreto de perder o ente querido, meu pai.

Muito obrigado pelas orações meu irmão!

Deus o abençoe a à sua família.

Ricardo

Paulo Brasil disse...

Ricardo,

a vida como a experimentamos, a euforia, os amores, as dores, as despedidas... que bom se todos a quem amamos, por quem oramos, por quem choramos, juntos e eternamente desfrutássemos da gloriosa presença do Senhor.

Que Ele, em sua sabedoria e bondade, promova o melhor para seu pai e toda sua família.

Paulo

Ricardo Mamedes disse...

Obrigado querido amigo e irmão Paulo Brasil. Que bom mesmo, se desfrutarmos com todos os amigos e parentes amados a glória eterna.

Deus o abençoe igualmente.

Ricardo.

Clóvis Gonçalves disse...

Ricardo,

Muitas vezes, diante de certas situações e palavras, o melhor que podemos fazer é nos calarmos em oração silenciosa.

Em Cristo,

Clóvis

Ricardo Mamedes disse...

Clóvis,

Eu entendo que seja assim. Houve momentos em que fiz isso, mas confesso que normalmente discuto, para assim tentar compreender. No entanto, não sei exatamente a que fato você se refere, qual situação e quais palavras. Como eu comentei no seu blog recentemente, fiquei a imaginar se disse algo que lhe desagradou... É isso? Se for, diga para que eu promova a defesa ou peça desculpas, ou ambos.

Uma coisa é certa, a despeito de qualquer diferença que tenhamos, respeito-o como verdadeiro cristão e como um profundo conhecedor das Escrituras Sagradas. Além de grande exegeta.

Grande abraço.

NEle.

Ricardo.

LUCIANE disse...

Ótimo texto, querido Ricardo!

Tenho apenas 17 anos, mas já passei por algumas situações difíceis, mas proveitosas sobre este tema. Ano passado, conheci e convivi (e continuo convivendo)com uma amiga que o pai sofria de câncer... vi todo o sofrimento que aquela menina tão nova passava ao chegar em casa e ver seu pai ali, deitado sem poder, sequer, levantar daquela cama. Foi pouco tempo orando e na expectativa de que ele fosse milagrosamente curado, mas, infelizmente, veio a falecer de uma maneira triste, em meio a muitas dores...

Hoje, vejo como Deus é tremendo na maneira em que me ensina e à minha melhor amiga, Roselindberg, como ele age através de nosso sofrimento, seja ele qual for. Foi como um tiro de misericórdia, pois o pai dela precisava de ajuda para tudo, até para ir ao banheiro...
esse pensamento de absorver o lado bom (que é maior do que o ruim) de tragédias a quais todos estamos sujeitos, e aprender esse lado de Deus, tem se intensificado com a recente e prematura morte do meu tio Vágner, de 27 anos, que foi assassinado com 4 facadas em um bar. E também nutre a minha esperança pela Justiça de Deus e a crença nela, pois os assassinos estão livres, leves e soltos.

Enfim... é louvável prosseguir na crença e confiança em Deus, como você fez e creio que sempre fará!



Luciane Lee P.C

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